O Estado de S. Paulo

Fatura amarga

- FÁBIO ALVES E-MAIL: FABIO.ALVES@ESTADAO.COM TWITTER: @COLUNAFABI­OALVE FÁBIO ALVES ESCREVE ÀS QUARTAS-FEIRAS COLUNISTA DO BROADCAST

Osentiment­o hoje de investidor­es sobre o Brasil é de uma profunda desconfian­ça de que a deterioraç­ão fiscal em razão dos gastos extras para combater o impacto econômico da pandemia do coronavíru­s não vai ser restrita apenas a 2020.

Esse temor cresceu depois que a Câmara aprovou o projeto de socorro financeiro a Estados e municípios. O governo havia proposto um valor nominal fixo de auxílio de R$ 40 bilhões para cobrir a perda de receitas com uma queda esperada na arrecadaçã­o de ICMS e ISS em razão das medidas restritiva­s para conter a disseminaç­ão do vírus, que provocaram parada súbita da atividade econômica.

Mas a Câmara aprovou um projeto que, além da suspensão de R$ 9,6 bilhões de dívidas dos governos regionais com o BNDES e Caixa, prevê uma recomposiç­ão da perda de receitas com esses impostos por seis meses, sem um limite fixo. Se essa queda for de 30%, a estimativa é de que a fatura para o governo federal será de R$ 80 bilhões.

E se essa queda for maior do que 30%? E se essa garantia de compensaçã­o incentivar a concessão indiscrimi­nada de benefícios fiscais por governador­es e prefeitos? E se estimular uma prorrogaçã­o mais prolongada por esses gestores regionais de medidas restritiva­s para a atividade econômica?

Ninguém sabe, portanto, o buraco que terá de ser coberto pela União, que arcará com todos os riscos ao que acontecer com os Estados e municípios e com o que decidir seus gestores.

Outra preocupaçã­o dos investidor­es é com a postergaçã­o do pagamento de vários impostos pelas empresas, como a contribuiç­ão previdenci­ária patronal ao INSS, o recolhimen­to de PIS/Cofins e a postergaçã­o da parte federal do Simples Nacional para microempre­sas, entre outros diferiment­os. Além disso, houve a redução temporária do IOF sobre operações de crédito e sobre as contribuiç­ões das empresas ao Sistema S.

Entre postergaçã­o, redução e até cancelamen­to de impostos, essa conta supera R$ 140 bilhões a menos na receita com tributos e contribuiç­ões. No segundo semestre, teoricamen­te, as empresas teriam de pagar ao governo os tributos cujo pagamento foi adiado. Mas será que isso vai mesmo acontecer? Os vários programas de refinancia­mentos de dívidas tributária­s (Refis) nos últimos anos, resultando em descontos pesados de impostos devidos, reforçam a desconfian­ça dos investidor­es sobre uma perda de arrecadaçã­o maior para o governo federal.

O economista para Brasil do banco Barclays, Roberto Secemski, diz trabalhar com a hipótese de que 50% do pagamento dos impostos postergado­s não ocorram integralme­nte neste ano, mas só em 2021. “Isso representa­ria um impacto de até R$ 58 bilhões em impostos não arrecadado­s neste ano”, explica Secemski em relatório a clientes.

A dúvida que ainda paira é se o governo não conseguir receber o pagamento desse valor postergado de tributos nem mesmo em 2021.

O nervosismo dos investidor­es é porque o Brasil entrou na pandemia do coronavíru­s numa situação já frágil. A classifica­ção de risco soberana do País começou a crise com três níveis abaixo do grau de investimen­to por duas agências de rating (S&P e Fitch). No caso da Moody’s, a nota brasileira está dois níveis aquém desse piso. O México, por exemplo, teve sua nota rebaixada recentemen­te pela S&P, de BBB+ para BBB, mas ainda um nível acima do grau de investimen­to.

Além disso, a dívida bruta do governo brasileiro, que em dezembro era de 75,8% do PIB, deve saltar para 90% do PIB ao fim deste ano em razão do maior rombo fiscal diante da combinação de esperada recessão e de gastos extras para combater os efeitos econômicos do coronavíru­s. O secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, já disse que o déficit primário caminha para R$ 600 bilhões em 2020. E há quem estime que esse déficit possa atingir 8% do PIB neste ano.

Até agora o Congresso e o governo federal pouco fizeram para acalmar o mercado de que as despesas extras com a crise ficarão restritas a 2020 e que, a partir de 2021, volta a valer o arcabouço fiscal em vigor desde o governo Michel Temer, especialme­nte o teto de gastos.

Sem essa garantia, a percepção é de que, quando a pandemia da covid-19 for controlada, a saída da crise será bem mais amarga do que se imagina.

Até agora o Congresso e o governo federal pouco fizeram para acalmar o mercado

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