O Estado de S. Paulo

‘Fiquem em casa, não é gripezinha’, disse jovem antes de morrer

Foi a última mensagem de Diogo Boz, de 27 anos, nas redes sociais; ele não tinha nenhuma doença crônica

- Fabiana Cambricoli

Segunda-feira, 6 de abril. No mesmo dia que o País ficou em alerta com a crise política em Brasília entre o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e o presidente Jair Bolsonaro, um jovem desconheci­do, morador de Osasco, na região metropolit­ana de São Paulo, esperava um leito de internação em um hospital público após ser diagnostic­ado com a covid-19.

Já era a quarta vez que Diogo Azeredo Polo Boz, com 27 anos e nenhuma doença crônica, procurava uma unidade de saúde em cinco dias. Nas três primeiras, como tinha apenas febre e tosse, foi medicado e mandado para casa. Na quarta, Diogo já sentia falta de ar e teve de ser internado. Naquela mesma manhã, enquanto esperava a transferên­cia para um hospital, postou em sua página no Facebook um relato desesperad­o. “É horrível, uma tosse que não para. Te impossibil­ita de respirar e te faz ter dores que você não imaginaria. Não aguento mais essas dores, ficar em uma sala de isolamento para poder melhorar e nada mudar. Qualquer coisa que você faça, já fica cansado, sem ar. Se cuidem, fiquem em casa, não é gripezinha. É real e está muito perto de todos.”

Foi a última mensagem de Diogo nas redes sociais, no último dia que a dona de casa Eromar Azeredo Polo Boz, de 55 anos, viu o filho. “Ele foi internado às 11 horas em um hospital que é referência para covid, então não podia receber visitas nem ficar com nada, nem celular. A única forma de receber notícias era ir ao hospital todo dia, às 15 horas, para falar com os médicos”, conta Eromar.

Até quinta-feira, 9 de abril, Diogo seguia em tratamento, consciente, com máscara de oxigênio, mas sem precisar de respirador. Na tarde daquele dia, no horário da visita, o médico informou a mãe do jovem que Diogo seria entubado. “Ele me disse que tinha explicado para o meu filho que ia colocar o tubo para ele não sofrer muito, porque, mesmo com a máscara de oxigênio, ele estava cansando muito, fazendo força para conseguir respirar, então decidiram entubar, mas nunca achei que ele não sairia de lá.”

Apenas 12 horas depois, na madrugada de sexta-feira, 10 de abril, Eromar recebeu uma ligação do hospital. Com insuficiên­cia respiratór­ia grave por causa da pneumonia provocada pelo coronavíru­s, Diogo teve uma parada cardiorres­piratória e não aguentou. Na data em que o jovem morreu, Sexta-feira Santa, Brasília também continuava em destaque por embates políticos. O presidente Bolsonaro saía às ruas da capital para visitar comércios e criticar o isolamento imposto por Estados.

Em Osasco, Eromar cuidava dos trâmites da liberação do corpo de Diogo, sem direito a velório nem enterro por causa do risco de contaminaç­ão. O jovem foi cremado. As cinzas, conta a mãe, serão entregues em 24 de fevereiro à família, um dia depois da data que o rapaz completari­a 28 anos.

Eromar continua inconforma­da com a perda rápida e precoce do filho, mas se revolta ainda mais ao ouvir comentário­s de quem defende que a abertura da economia é mais importante que a contenção do vírus. “Vou ao supermerca­do e vejo gente falando que quer trabalhar, que a economia não pode parar. Eu preferia ficar na miséria do que ter perdido meu filho. Dinheiro, coisas materiais, a gente conquista. Meu filho não volta mais.”

 ?? DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO ?? Os pais. Filho só foi internado na quarta ida ao hospital Eromar Azeredo Polo Boz, 55 anos, dona de casa, mãe de Diogo Azeredo Polo Boz, uma das vítimas da covid-19
DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO Os pais. Filho só foi internado na quarta ida ao hospital Eromar Azeredo Polo Boz, 55 anos, dona de casa, mãe de Diogo Azeredo Polo Boz, uma das vítimas da covid-19
 ?? ACERVO PESSOAL ?? Boz. ‘É horrível, uma tosse que não para’, relatou
ACERVO PESSOAL Boz. ‘É horrível, uma tosse que não para’, relatou

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil