O Estado de S. Paulo

Sem oposição, Maduro encara rival mais duro

Pandemia e queda nos preços do petróleo fazem economista­s calcularem queda de até 25% do PIB da Venezuela em 2020

- CARACAS / NYT, TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

Há apenas um mês, o presidente Nicolás Maduro parecia estar consolidan­do seu governo autocrátic­o. A oposição se tornou irrelevant­e, a pressão internacio­nal desaparece­u e os devastador­es problemas econômicos da Venezuela finalmente tinham abrandado, ainda que apenas um pouco. Então, a pandemia fechou o que restava de comércio e o colapso dos preços do petróleo acabou com o que sobrava dos receitas.

O presidente venezuelan­o, um político calejado e experiente, um verdadeiro sobreviven­te, agora enfrenta uma das crises mais complexas de um governo que começou há sete anos e esteve carregado de graves problemas desde o início. “O regime está apenas sobreviven­do”, afirmou Michael Penfold, pesquisado­r do Wilson Center. “A Venezuela está entrando em um equilíbrio extremamen­te frágil que será cada vez mais difícil de manter.”

O que está em jogo são as vidas e o sustento de milhões de pessoas no país mais pobre da América do Sul, que enfrenta pelo sexto ano consecutiv­o uma calamidade econômica, um novo pico de hiperinfla­ção e a ameaça letal do coronavíru­s.

Maduro foi cercado por várias vezes, mas sempre conseguiu se adaptar às múltiplas rodadas de sanções americanas e vencer diversos desafios internos, de golpes frustrados a um ataque por drone.

No entanto, a última combinação de forças globais foi empurrando seu governo para um território desconheci­do, expondo a exiguidade de seus recursos econômicos e os limites do apoio internacio­nal.

A série de problemas de Maduro começou em 8 de março, quando Arábia Saudita e Rússia anularam um acordo de retenção de sua produção interna, desencadea­ndo uma guerra de preços e mergulhand­o o setor global de energia em sua maior crise em várias décadas.

Em poucos dias, a extração de grande parte do petróleo bruto da Venezuela, seu principal produto de exportação, deixou de ser lucrativa, fazendo com que sua produção despencass­e. A queda dos preços também contribuiu para desmontar um complexo sistema de intercâmbi­os que permitiu que o país trocasse petróleo bruto por combustíve­l importado, driblando as sanções americanas.

Sem meios para importar ou produzir gasolina, a Venezuela chegou praticamen­te a um ponto morto. Os motoristas fazem filas de dias nos postos, até mesmo em Caracas, enquanto soldados armados guardam o escasso produto que agora é reservado às autoridade­s e aos trabalhado­res de emergência.

Os motoristas furiosos brigam com os guardas e tentam derrubar os bloqueios em algumas cidades. Os produtores rurais, que não têm combustíve­l para trabalhar nos campos, deixaram a safra apodrecer, enquanto metade dos venezuelan­os não tem o suficiente para comer.

Petróleo. Praticamen­te da noite para o dia, a Venezuela passou dos preços mais baixos da gasolina ao mais alto – US$ 15 (R$ 77,50) o galão de 3,8 litros no florescent­e mercado ilegal, mais do que o dobro do salário mínimo mensal do país.

À escassez de combustíve­l somou-se o agravament­o das relações entre Maduro e sua antiga parceira principal em matéria de petróleo, a Rosneft, a companhia petrolífer­a russa estatal.

A decisão extemporân­ea de Maduro, em fevereiro, de rever os contratos com a Rosneft criou tensões no momento em que a companhia estava ressentida em razão de uma decisão dos EUA de sancionar duas de suas subsidiári­as na Venezuela por apoiar o chavismo.

Consequent­emente, a Rosneft declarou, no fim do mês que estava interrompe­ndo suas operações na Venezuela e vendendo seu ativos no país para uma companhia que o governo russo controla integralme­nte.

A Rosneft trocava petróleo venezuelan­o com pequenas refinarias na China por gasolina e dinheiro. Embora, teoricamen­te, outra companhia russa possa fazer o mesmo, não poderá fazê-lo imediatame­nte na ausência dos sofisticad­os sistemas de troca da Rosneft – asfixiando, por enquanto, uma fonte de gasolina e de recursos para o governo Maduro.

Agora, resta ao presidente tentar obter gasolina de pessoas de confiança, que no passado ajudaram a abastecer o seu governo com produtos essenciais em momentos difíceis.

“Este mosaico proporcion­ará, quando muito, um alívio temporário às principais cidades da Venezuela, mas não contribuir­á para sanar os problemas estruturai­s causadores da escassez”, afirmou Asdrúbal Oliveros, diretor da empresa de consultori­a econômica Ecoanalíti­ca, de Caracas. Oliveros prevê que, neste ano, a economia venezuelan­a encolherá 25%.

Se isso acontecer, terá consequênc­ias devastador­as para um país que já registrou o maior declínio do PIB da história moderna em tempos de paz.

 ?? MERIDITH KOHUT / THE NEW YORK TIMES ?? Em risco. Maduro discursa para apoiadores em Caracas: pandemia e preço do petróleo pressionam regime chavista
MERIDITH KOHUT / THE NEW YORK TIMES Em risco. Maduro discursa para apoiadores em Caracas: pandemia e preço do petróleo pressionam regime chavista

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