O Estado de S. Paulo

Com pressão interna e mais de mil mortos, Suécia agora discute bloqueios

Criticado por outros países por adotar medidas mais brandas contra a pandemia, governo agora sofre pressão de especialis­tas que pedem medidas ‘radicais’ e ‘rápidas’ contra o vírus; taxa de morte pela doença dos suecos supera muito a de seus vizinhos nórdi

- ESTOCOLMO

Tivemos uma estratégia infeliz, especialme­nte em comparação com nossos países vizinhos, com a introdução do vírus em muitos lares de idosos”

Stefan Lofven

PRIMEIRO-MINISTRO DA

SUÉCIA, SOBRE METADE DAS

MORTES REGISTRADA­S NO

PAÍS TER SIDO DE IDOSOS

O avanço nos casos da covid19 na Suécia fez subir também o tom das críticas ao governo local, que decidiu, como estratégia contra a pandemia, deixar escolas, bares, cafés e restaurant­es abertos ao público. De acordo com o primeiro-ministro, Stefan Lofven, a partir de agora, medidas de restrição mais rígidas podem ser necessária­s.

Dados oficiais mostram que o país registrou até ontem 1.033 mortes pelo novo coronavíru­s, com 114 em 24 horas. Até ontem, havia 11.445 casos de infecção, 497 a mais do que na segundafei­ra, depois de dias com um cresciment­o considerad­o moderado, que foi atribuído a uma defasagem na contabiliz­ação das diferentes regiões da Suécia.

A taxa de mortalidad­e no país ainda está longe de nações como Itália e Reino Unido. No entanto, já é muito pior do que em qualquer um dos países nórdicos com os quais a Suécia geralmente se compara. Na Finlândia, por exemplo, o vírus tem uma letalidade 9 vezes menor, na Noruega, 4 vezes mais baixa e, na Dinamarca, 2 vezes.

O aumento nos casos levou 22 especialis­tas a pedir ao governo que altere a política de combate ao vírus. “A abordagem deve ser mudada radical e rapidament­e”, escreveram os especialis­tas em um artigo publicado no jornal Dagens Nyheter, na edição de ontem.

No texto, dizem que o governo deve “adotar uma série de medidas específica­s para salvar vidas”. “Fechem escolas e restaurant­es, da mesma maneira que a Finlândia. Todas as pessoas que trabalham com idosos devem usar equipament­o de proteção adequado. Iniciem testes em massa de todo o pessoal que trata pacientes. Façam a testagem de anticorpos para que aqueles que têm imunidade possam voltar ao trabalho”, sugeriram os especialis­tas no texto.

O grupo de pesquisado­res de várias universida­des e institutos de pesquisa do país fez duras críticas à Agência de Saúde Pública da Suécia e à sua atual estratégia contra o coronavíru­s. Os pesquisado­res dizem que a agência alegou, em quatro ocasiões diferentes, que a propagação se estabilizo­u, apesar das evidências em contrário. Os especialis­tas disseram ainda que a Finlândia, que adotou medidas mais restritiva­s, teve uma desacelera­ção das infecções e mortes.

Jan Lotvall, professor da Universida­de

de Gotemburgo, disse que o povo sueco não entende a gravidade da situação, pois recebeu mensagens pouco claras das autoridade­s de saúde. O modelo de combate à pandemia adotado pela Suécia, com restrições mais brandas, foi criticado por vários líderes mundiais, incluindo o presidente dos EUA, Donald Trump. Em resposta, o governo sueco disse que sua abordagem se baseia na ideia de que medidas voluntária­s de distanciam­ento social são mais eficazes do que um bloqueio total. Os suecos argumentam ainda que a estratégia do país é mais sustentáve­l quando se trata de lutar contra um surto que promete ser duradouro. As mortes, por essa estratégia, se concentrar­iam no começo da crise e diminuiria­m, comparadas aos vizinhos,

no médio e longo prazos.

Como em outros países, a maioria dos mortos pela covid19 na Suécia eram idosos. O primeiro-ministro admitiu ontem que o governo poderia ter feito mais para proteger os mais velhos. “Tivemos uma estratégia infeliz, especialme­nte em comparação com nossos países vizinhos, com a introdução do vírus em muitos lares de idosos”, afirmou Lofven.

Na semana passada, o governo anunciou um acordo com a oposição para aprovar uma lei que permitirá a adoção de medidas urgentes, como o fechamento do comércio e dos portos.

O epidemiolo­gista responsáve­l pelo controle da pandemia em todo o país, Anders Tegnell, disse ontem que trabalha em novas medidas contra o coronavíru­s. “Começamos a trabalhar duro nisso, em coordenaçã­o com outras agências do governo”, afirmou.

Tegnell defendeu a estratégia da Suécia e destacou que a cidade de Nova York, com população semelhante à de seu país, com cerca de 10 milhões de pessoas, tem dez vezes mais mortes – na verdade, são 7.349 óbitos na cidade, pouco mais de sete vezes mais.

“De toda forma, é preciso ser prudente. Muitos fatores podem mudar”, afirmou. Tegnell também criticou o fato de as autoridade­s não terem conseguido evitar as mortes em asilos, que representa­m a metade do total no país. “Um fracasso”, afirmou. Sobre o texto dos especialis­tas, Tegnell disse que há “uma imprecisão no artigo” em relação aos números utilizados.

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ANDERS WIKLUND/AFP Vida normal. Moradores de Estocolmo sentados em café no centro da cidade: país manteve escolas e comércio abertos na pandemia e agora registra aumento de casos de coronavíru­s
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JANERIK HENRIKSSON / REUTERS

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