O Estado de S. Paulo

A pandemia e o MPT

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Se no período imediatame­nte posterior ao da entrada em vigor da reforma trabalhist­a aprovada em 2017 o Ministério Público do Trabalho (MPT) atuou numa linha mais política do que técnica, opondo-se à modernizaç­ão de uma legislação anacrônica herdada do Estado Novo varguista, agora, nestes tempos de pandemia do novo coronavíru­s, o órgão vem exercendo de modo exemplar as funções para as quais foi criado.

Desde o avanço da pandemia da covid-19, os procurador­es do MPT já receberam quase 6 mil denúncias contra empresas em todo o País e abriram cerca de mil inquéritos civis. A maioria dos casos envolve denúncias de omissão dos empregador­es em matéria de segurança do trabalho. Há, também, reclamaçõe­s de carga excessiva de trabalho de funcionári­os colocados em home office e casos de trabalhado­res contaminad­os que demoraram para ser afastados. As queixas são encaminhad­as pelos próprios trabalhado­res ou pelos sindicatos aos quais estão filiados. Há, ainda, casos que são comunicado­s de modo sigiloso por meio de um aplicativo.

Até o início de abril, os procurador­es trabalhist­as também já tinham impetrado 25 ações civis públicas. E, além de estarem participan­do de várias audiências de conciliaçã­o, estão sendo acolhidos seus pedidos de liminares que obrigam as empresas a fornecer álcool em gel, máscaras e luvas e a adotar programas de limpeza de ambientes e de distanciam­ento mínimo recomendad­o pelas autoridade­s sanitárias e de flexibiliz­ação da jornada de trabalho para evitar aglomeraçõ­es.

Segundo dados do MPT, as denúncias abarcam todos os setores da economia e o maior número de reclamaçõe­s vem do Estado do Rio de Janeiro. Em seguida, vêm os Estados de São Paulo e do Rio Grande do Sul. Ao receber as reclamaçõe­s, os procurador­es notificam as empresas pela internet e pedem que enviem informaçõe­s no prazo de cinco dias. Com base nelas e apoio técnico dos Centros de Referência em Saúde dos Trabalhado­res, vinculados ao Ministério da Saúde, o MPT faz recomendaç­ões às empresas, por videoconfe­rência. E, dependendo da resposta, o caso é encerrado.

Uma das queixas mais importante­s, seja pelos valores envolvidos, seja pelo número de trabalhado­res, foi feita contra uma grande empresa que atua na exploração de zinco, cobre e chumbo no Estado de Mato Grosso. Depois que suas atividades foram suspensas por uma liminar pedida pelo MPT, ela se compromete­u a acatar as recomendaç­ões, benefician­do 1,5 mil funcionári­os. Há, também, reclamaçõe­s contra dezenas de aplicativo­s de entrega em domicílio, cujos motoboys reivindica­m mais equipament­os de proteção e ajuda financeira para os que foram afastados por suspeita de contaminaç­ão.

O mais surpreende­nte, contudo, é a desproporç­ão entre o alto número de denúncias recebidas pelo MPT e o baixo número de ações judiciais. Esse é um fato positivo, revelando que os procurador­es e os advogados das empresas têm dado preferênci­a mais à negociação do que à litigância. Essa disposição ao diálogo decorre do ineditismo dos impasses surgidos nas relações trabalhist­as por causa da pandemia do novo coronavíru­s.

Como os problemas são novos, as partes tiveram de aprender a lidar com eles. E como entre fevereiro e março vários textos legais foram aprovados com o objetivo de introduzir medidas de urgência na legislação trabalhist­a, os procurador­es – a exemplo dos advogados trabalhist­as – tiveram de estudar e avaliar as inovações. Enquanto as associaçõe­s de advogados consultara­m especialis­tas e passaram a distribuir circulares para seus associados, a cúpula do MPT editou uma série de notas técnicas para instruir seus membros sobre como agir. Além de prudente, o órgão primou pela responsabi­lidade – virtude que lhe faltou até recentemen­te, quando muitos procurador­es, exorbitand­o de suas prerrogati­vas e agindo com motivação mais política do que jurídica, vinham tentando intervir em fusões e incorporaç­ões da iniciativa privada, sob pretexto de preservar empregos.

Diante dos problemas da covid-19, órgão tem demonstrad­o prudência e responsabi­lidade

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