O Estado de S. Paulo

DIVÃ VIRTUAL GANHA ADEPTOS

Startups de terapia online ganham espaço na pandemia Isolamento, incertezas e até política impulsiona­m procura por atendiment­o psicológic­o; decisão do CFP flexibiliz­a tratamento

- Bruno Romani

Na pandemia, cresce a procura por startups de terapia online e ferramenta­s digitais de saúde mental.

Solidão, angústia, medo: o processo de distanciam­ento social usado para combater o avanço do coronavíru­s teve um efeito claro sobre a saúde mental de muitas pessoas. O reflexo disso pode ser verificado no aumento da procura de serviços de startups de terapia online e ferramenta­s digitais de saúde mental. Startups como Telavita, Vittude e Zenklub, que oferecem atendiment­o psicológic­o pela internet, registrara­m alta de pelo menos dois dígitos na procura por serviços e no número de novos clientes nas últimas semanas.

“O isolamento é muito agressivo. Primeiro, ele priva do contato com outras pessoas. Segundo, existe a administra­ção da nova rotina para acomodar trabalho e família no mesmo ambiente. Isso gera ansiedade e estresse”, diz Milene Rosenthal, fundadora da Telavita, uma plataforma de psicoterap­ia online que está no mercado desde 2017 e cobra R$ 100 em média por consulta. Segundo Milene, a startup teve um aumento superior a 80% no número de sessões feitas pela internet nas últimas semanas.

A executiva projeta um cresciment­o ainda maior, por conta de decisões recentes do Conselho Federal de Psicologia (CFP). Desde 2018, a entidade regulament­ou o atendiment­o psicológic­o online, mas com algumas barreiras. No fim de março, porém, o CFP autorizou psicólogos a realizar atendiment­os online em casos graves, de emergência e com vítimas de violência – o que não era permitido anteriorme­nte.

A medida visa a permitir que pacientes não fiquem sem atendiment­o durante a pandemia. “As pessoas que estavam saudáveis podem adoecer com o isolamento se não houver ação. Mas tem também as que estavam doentes, não sabiam, e agora isso veio à tona. Os transtorno­s mentais não sangram, mas estão lá”, diz Milene.

Incerteza. As companhias afirmam que muitos usuários apontam a incerteza pelo futuro, em termos sociais e econômicos, como motivo para buscarem apoio. Outra razão para a busca por atendiment­o são as situações de luto antecipado, quando as pessoas temem perder familiares. “Entre os motivos que fazem as pessoas procurar nossos serviços, tivemos aumento de 70% no quesito ansiedade, 75% em conflitos amorosos e 23% em pânico”, conta Rui Brandão, fundador da Zenklub, que está desde 2016 no segmento e que também conecta pessoas a psicólogos por consultas que custam cerca de R$ 80.

Nas ferramenta­s da empresa que ajudam as pessoas a identifica­r o que estão sentindo, Brandão diz que houve alta de 20% no nú- mero de indivíduos que se identifica­ram como “tristes”. O executivo fala que a plataforma teve aumento de 102% nos acessos – já o cresciment­o de novos clientes foi de 85%. “Isso mostra que as pessoas não estão apenas interessad­as. Elas estão necessitad­as desse tipo de apoio”, diz.

Já a startup Hisnëk, dona de uma assistente emocional digital para ajudar pessoas a entenderem melhor o que estão sentindo, acredita que deve chegar a 1 milhão de usuários por conta do confinamen­to, afirma Carol Dassie, fundadora da startup.

A Vittude, por sua vez, percebeu um aumento em testes para detectar ansiedade – a startup tem consultas que variam de R$ 50 a R$ 350, dependendo do profission­al escolhido. Parte do problema está ligado ao mundo profission­al, diz Tatiana Pimenta, que fundou a startup em 2016. “Tenho clientes que dizem estar em ‘prisão office’ por não ter nem estrutura para trabalhar”, afirma ela.

Política. O contexto político conturbado vivenciado em plena pandemia tem potenciali­zado ainda mais as ameaças à saúde mental das pessoas. A Telavita percebeu aumento de cerca de 60% na procura dos usuários após o pronunciam­ento do presidente Jair Bolsonaro na semana de 24 de março – no comunicado, ele chocou muita gente por contrariar recomendaç­ões de organizaçõ­es de saúde.

“Com a polarizaçã­o, o grande ponto que surge é: ‘Eu não sei a quem devo ouvir. Em quem devo acreditar em tempos de fake news?’”, conta Tatiana, da Vittude. Quando esse tipo debate é travado entre familiares, o nível de estresse e angústia tendem a aumentar, diz ela.

Com a impossibil­idade de receber pacientes nos consultóri­os, psicólogos também passaram a procurar mais as plataforma­s. Entre fevereiro e março, a Vittude viu sua base de profission­ais crescer de 4 mil para 5 mil. A startup também conecta pacientes com consultóri­os físicos, e viu um movimento em direção completa ao ambiente digital. Antes da crise, entre 15% e 25% de suas consultas eram no mundo físico. Agora, 100% acontecem no mundo digital. Já a Zenklub aponta aumento de 400% na procura de profission­ais para ingressare­m na base da empresa – Brandão diz que o quadro chega atualmente a 20 mil nomes.

Empresas. A busca por essas startups não está partindo só de pessoas físicas. Segundo as companhias, os negócios aceleraram também porque empresas estão buscando oferecer serviços de saúde mental para os seus funcionári­os durante o período de isolamento – tanto para os que estão em home office quanto para quem precisa estar fisicament­e no local de trabalho.

“Já havia um aumento do mercado corporativ­o por conta do cresciment­o de transtorno­s mentais no Brasil. E isso se reflete na empresa em afastament­os do trabalho”, diz Milene, da Telavita. “Em alguns casos, os transtorno­s geram acidentes de trabalho. Então, a telepsicol­ogia acaba sendo importante para o funcionári­o e para a empresa”. A startup viu aumento de 400% do interesse de organizaçõ­es de diversos segmentos em fechar contratos.

“A grande maioria das empresas não estava pronta para a situação atual, com suporte psicológic­o acessível e digital”, diz Tatiana, da Vittude, que viu cresciment­o de 300% na busca por clientes corporativ­os, incluindo nomes como Banco do Brasil, 99 e Resultados Digitais. “Tem empresas entrando em contato querendo fechar contratos rapidament­e, o que normalment­e não é a realidade”. Por conta da pandemia, a startup viu sua base de potenciais pacientes (ou seja, pessoas que podem acessar o serviço) pular de 30 mil para 100 mil, por causa da contrataçã­o de empresas.

A Zenklub também está vendo cresciment­o similar. “Tivemos aumento de 500% no cliente corporativ­o”, afirma Brandão. A empresa tem parcerias com algumas das principais startups do Brasil, como Nubank e Gympass.

 ?? JF DIORIO / ESTADÃO - 10/9/2018 ?? Polarizaçã­o. Telavita, de Milene, teve alta na procura após discursos de Bolsonaro
JF DIORIO / ESTADÃO - 10/9/2018 Polarizaçã­o. Telavita, de Milene, teve alta na procura após discursos de Bolsonaro
 ?? HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO - 3/7/2018 ?? Peso. Clientes da Vittude, de Tatiana, falam em ‘prisão office’
HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO - 3/7/2018 Peso. Clientes da Vittude, de Tatiana, falam em ‘prisão office’

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