O Estado de S. Paulo

NA QUARENTENA

Mães e pais cuidam de tudo em casa ao mesmo tempo

- Renata Cafardo

Home office. Camilla Lopes organizou horários para ela e o marido cuidarem da filha de 11 meses.

Ane bloqueou sua agenda para reuniões online entre 11 e 14 horas e colocou um aviso: “cuidando da minha filha”. Camilla fez uma planilha em que estabelece quando é a vez dela ou do marido de trocar fralda, dar comida ou fazer a bebê dormir. Giovanna se esforça para trabalhar no último mês de gestação e precisa dividir disposição e computador com os dois filhos maiores, cujas atividades escolares remotas não param de chegar. São mães e pais sobreviven­do ao isolamento determinad­o pela pandemia de coronavíru­s no Brasil e no mundo.

A psicanalis­ta Ilana Katz explica que ninguém deve ter a pretensão de manter a rotina que tinha antes da quarentena, mas a situação é mais difícil ainda para quem tem filhos. “Todas as atividades do cuidado da criança, que eram divididas com escola, funcionári­os domésticos, membros da família, tudo isso ficou debilitado agora”, diz. “É tudo o tempo inteiro e sem intervalo. O tempo inteiro de escola, o tempo inteiro de trabalho, de filhos, de cuidado com a casa, no mesmo lugar e sem variação de contatos. É muito excesso, muita sobrecarga.”

A professora universitá­ria Fabíola Faria, de 43 anos, precisa dar aulas online com um dos filhos ao lado. O outro, ela deixa na televisão. “Percebi que o lance é não deixar os dois juntos, se não começam a me chamar ou brigar.” Ela diz que o trabalho “triplicou” depois do fechamento da faculdade porque teve de aprender a preparar aulas online e ainda ficar disponível para os alunos no WhatsApp. “Não consigo fazer nem uma caminhada. Ou estou em aula, ou estou com os meninos, e à noite eu quero dormir.”

Ilana defende que as empresas flexibiliz­em o trabalho para mães e pais e não exijam o mesmo desempenho de antes. O LinkedIn e o Google, duas gigantes de tecnologia, fizeram políticas semelhante­s após a pandemia para quem tem filhos. Permitem que os funcionári­os reduzam a carga de trabalho, agora em home office, e ainda tornou-se possível pedir até quatro semanas de licença remunerada.

A economista Ane Martins da

Silva, de 36 anos, mãe de Liz, de 3, pôde organizar o trabalho em turnos que intercalas­sem o cuidado com a filha. “Começo a trabalhar antes das 7 horas. É quando consigo fazer as atividades de maior concentraç­ão”, conta ela, que mora em Londres e é gerente de produto para a América Latina da TransferWi­se, empresa de transferên­cia de dinheiro para o exterior. Ane reveza horários com o marido para ficar com a filha, que passava o dia todo na escola, agora fechada. “É bem desafiador ter ela do meu lado quando tenho que trabalhar. Ela não brinca sozinha e temos que ficar sempre a entretendo.” Em uma reunião online, outro dia, a menina entrou vestida de Mulher-Maravilha e apareceu na câmera para os colegas da mãe.

Segundo a TransferWi­se, fatos como esse estão sendo tratados com normalidad­e e há recomendaç­ão para os 14 escritório­s no mundo facilitare­m a situação de quem tem filhos. Até um CEO já apareceu com bebê no colo em um dos encontros.

Empatia. “Sempre fui ativista do movimento feminista, mas só quando se é mãe, está na pele, você consegue saber que cada filho é um, cada maternidad­e demanda uma atenção”, diz Camilla Feliciano Lopes, de 39 anos, mãe de Maria Flor, de 11 meses. Ela é uma das fundadoras da Mediação On Line, uma startup que faz intermedia­ção de acordos extrajudic­iais. A experiênci­a de mãe na quarentena também a ajudou a flexibiliz­ar o trabalho das suas funcionári­as na mesma situação.

Antes do isolamento, Camilla ficava fora de casa das 8 horas até as 19 horas e Maria Flor era cuidada por uma babá. Foi por isso que ela sentiu necessidad­e de criar a planilha para organizar as tarefas da casa e da bebê. “Tem muita coisa para fazer, é muito cansativo, como empreended­ora eu tinha muita liberdade de ter meu tempo para criar. Agora, é primeiro o tempo dela para depois ter o meu.”

Giovanna Balogh, de 38 anos, que tem uma agência de comunicaçã­o e trabalha como doula, precisa dedicar boa parte do seu dia a ajudar os dois filhos a fazer as atividades que a escola tem mandado. “Não tem a menor condição, não sou pedagoga, cada hora chega um vídeo novo e eles não conseguem fazer sozinhos. Precisamos parar de trabalhar para ajudar”, diz.

Fora isso, está grávida de Teresa, que nasce no mês que vem, e sofre com a angústia de ter um bebê em meio à pandemia. “Meus pais não poderem conhecer a neta me dói demais. Não ter minha mãe por perto para ajudar, que mora a 15 minutos de casa, é muito triste.” O chá de bebê foi organizado online e as amigas mandaram entregar os presentes.

Rodrigo Flores, de 33 anos, tinha ajuda de uma diarista e dos sogros, que agora também estão isolados. Sua mulher trabalha na área da saúde, sai de casa cedo e volta apenas às 15 horas, quando então ele começa a se dedicar exclusivam­ente ao trabalho como gerente de engenharia do Nubank. “Conversei na empresa e foram bem compreensi­vos.”

O Brasil tem ainda um número crescente de famílias monoparent­ais, apenas com a mãe, em que a situação é mais complicada. E, mesmo com casais, é comum a mulher ficar com a maioria da carga do cuidado dos filhos. “É preciso fazer uma rotina que inclua compartilh­ar tarefas entre o casal e também com as crianças, isso é importante no efeito que vamos vir a colher no futuro dessa experiênci­a difícil que estamos atravessan­do”, diz Ilana.

PSICANALIS­TA DIZ QUE EMPRESAS NÃO DEVEM EXIGIR MESMO DESEMPENHO DE ANTES

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HENRIQUE POCAI DE ALMEIDA.
 ?? HENRIQUE POCAI DE ALMEIDA ?? Planilha. Camilla Lopes organizou os horários dela e do marido cuidarem da filha
HENRIQUE POCAI DE ALMEIDA Planilha. Camilla Lopes organizou os horários dela e do marido cuidarem da filha
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ARQUIVO PESSOAL Em turnos. Ane bloqueou o horário das 11h às 14h para cuidar da filha
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DIEGO PADGURSCHI Multitaref­a. Grávida, Giovanna trabalha e ajuda os filhos com a lição da escola

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