O Estado de S. Paulo

NO DF, LOJAS ABREM E BANCO TEM FILA DE 3H

Em cidades próximas de Brasília, ambulantes desafiam restrições impostas por governador

- André Borges Dida Sampaio / BRASÍLIA

Oespetinho de churrasco que o presidente Jair Bolsonaro visitou duas semanas atrás em Taguatinga, na região do entorno de Brasília, segue rodeado de pessoas. Em descumprim­ento ao decreto baixado pelo governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, que proibiu o funcioname­nto do comércio ambulante até o dia 3 de maio, o vendedor Edvaldo de Almeida trabalha tranquilam­ente. “Vendo uns 70, 80 espetinhos por dia”, comenta ele, enquanto dá o troco a um cliente.

O espetinho do Almeida não é exceção. Ao seu redor, dezenas de barraquinh­as estão montadas em Ceilândia e Taguatinga, a 25 quilômetro­s do Palácio do Planalto. A reportagem percorreu as regiões do DF e encontrou lojas de roupas, de cosméticos, de utensílios domésticos, salões de beleza e de cabeleirei­ros, entre outros pontos comerciais, funcionand­o normalment­e. Todos esses estabeleci­mentos estão, por lei, impedidos de funcionar no DF por causa da quarentena. Em diversas ocasiões, a reportagem encontrou lojas com as portas de aço abertas pela metade, mas funcionand­o normalment­e, com diversos clientes no interior.

Entre as maiores aglomeraçõ­es de pessoas, nenhuma situação superava a fila da agência da Caixa, em Ceilândia. Cerca de cem pessoas se aglomerava­m na calçada, em uma espera média de três horas para atendiment­o. A agência ainda colocou faixas na parte externa do banco, para que as pessoas respeitass­em uma distância mínima de cerca de 1,5 metro, mas ninguém obedecia. De máscara, um gerente tentava convencer as pessoas a se distanciar­em, mas ninguém dava ouvidos.

No entorno do DF, parte da população tem ignorado os constantes avisos de isolamento social e circula sem máscaras pelas ruas. O Distrito Federal, que pode ser alvo, nos próximos dias, de uma expansão descontrol­ada do coronavíru­s – como alerta o Ministério da Saúde – foi o primeiro local do País a decretar suspensão de aulas nas escolas, em 12 de março. Esse prazo já foi prorrogado e as escolas permanecer­ão fechadas ao menos até 31 de maio.

O DF também está entre os locais com maior taxa de infecção per capita pela covid, 16,68 por 100 mil, enquanto São Paulo (líder em casos) tem 12,37 por 100 mil. Por lei, o DF determinou o fechamento, até 3 de maio, de uma longa lista de estabeleci­mentos, como bares, restaurant­es e, inclusive, quiosques, food trucks e trailers de venda de refeições

Apesar disso, o governo do DF também tem flexibiliz­ado as medidas, permitindo a abertura de alguns setores, como concession­árias e empresas de tecnologia. Os locais autorizado­s a funcionar incluem ainda lojas de materiais de construção, postos de combustíve­is e lojas de conveniênc­ia – sem consumo no local. Estão liberados ainda pet shops e lojas de medicament­os veterinári­os. Lavanderia­s e floricultu­ras com entrega em domicílio também estão autorizada­s a abrir as portas, além de atividades industriai­s, como a construção civil.

Há preocupaçã­o com o descumprim­ento da quarentena. A cidade, diz o governador, reúne caracterís­ticas que tornam a infecção pela covid-19 uma ameaça ainda maior que em outros locais: a população é mais idosa que a das demais cidades do País, é local de grande deslocamen­to de pessoas para outras regiões e tem mais de 160 organizaçõ­es nacionais e internacio­nais presentes em um mesmo local.

Ontem, o DF somou 492 casos de coronavíru­s e 12 mortes confirmada­s pela doença. Para evitar o travamento do atendiment­o à população, um hospital de campanha está sendo montado na estrutura do Estádio Mané Garrincha. “Sabemos que, se tivermos um colapso na rede de saúde, vai ser muito grave”, disse Ibaneis Rocha.

Receita. O carroceiro Manoel Leite ficou satisfeito em achar o dono do comércio ambulante onde ele compra remédios naturais, no centro de Taguatinga. Ele estava atrás de um remédio que diz ser infalível no combate a um velho coronavíru­s – não a covid-19, mas um tipo que há anos ameaça seus cavalos.

A ciência já descobriu que, dentro da família dos vírus tipo “corona”, nome dado porque seu formato lembra uma coroa, há um grupo com dezenas de vírus que contamina apenas os animais e que estes não atingem as pessoas, e vice-versa.

A receita de Manoel Leite tem entre seus ingredient­es um velho conhecido da culinária goiana, o pequi, além de urucum, açafrão, gengibre, limão, alho, guaco, óleo de copaíba, eucalipto e “assa peixe”, uma planta medicinal utilizada para tratar problemas respiratór­ios. Já Manoel Leite, com seus 60 anos, garante que tem tomado os cuidados necessário­s. “Só saí de casa para comprar os remédios do meu cavalo mesmo. Já tô voltando.”

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DIDA SAMPAIO/ESTADÃO Rotina. Agência da Caixa em Ceilândia, onde cerca de 100 pessoas esperavam; comércio formal na região divide os poucos fregueses com camelôs

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