O Estado de S. Paulo

Atuação de juiz de garantias causa dúvidas no Judiciário

Novo magistrado nos processos gera discordânc­ias no Legislativ­o e no Judiciário; falta esclarecer se regra já valerá para ações em andamento e se atinge Cortes superiores

- Breno Pires Rafael Moraes Moura / BRASÍLIA COLABORARA­M DANIEL WETERMAN E RENATO ONOFRE

A criação do juiz de garantias, sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro no pacote anticrime, provoca dúvidas e divergênci­as no Legislativ­o e no Judiciário. Magistrado­s e parlamenta­res discordam sobre se a regra já valerá para casos em andamento ou só para novos processos. Ontem, o ministro Dias Toffoli, presidente do STF e do Conselho Nacional de Justiça, criou um grupo para normatizar a lei até dia 15.

A criação da figura do juiz de garantias provocou dúvidas e divergênci­as no Legislativ­o e no Judiciário. Até mesmo integrante­s do grupo de trabalho da Câmara, que incluíram a proposta prevendo o juiz no pacote anticrime preparado pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro, discordam sobre o prazo de vigência da medida – se valerá para casos em andamento ou apenas para novas apurações.

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Dias Toffoli, criou ontem um grupo de trabalho para elaborar um estudo e apresentar, até 15 de janeiro, sugestões para regulament­ar o texto. As atividades serão coordenada­s pelo corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins.

Para ministros do Supremo ouvidos pelo Estado, a aplicação do dispositiv­o que estabelece a divisão de tarefas entre dois magistrado­s – um conduzindo a fase de investigaç­ão e outro com a função de julgar réus – somente deve valer para futuros inquéritos. Na lista de pontos não esclarecid­os da lei está se ela vai ou não atingir instâncias como o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo e, ainda, se alcançará investigaç­ões em tramitação, como o caso Fabrício Queiroz, que atinge o senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ).

Decano do Supremo, o ministro Celso de Mello defendeu a criação do juiz de garantias. “Penso que a figura do juiz de garantias constitui inestimáve­l conquista da cidadania, pois,

além de assegurar a necessária imparciali­dade do magistrado, representa a certeza de fortalecim­ento dos direitos e garantias fundamenta­is da pessoa sob investigaç­ão criminal”, disse Celso de Mello, em nota enviada ao Estado.

Nos bastidores de tribunais superiores, porém, a lei anticrime já é chamada de “um Frankenste­in” que vai ganhar vida própria em 30 dias, prazo fixado para que ela entre em vigor, em todo o País. De acordo com a lei, o juiz de garantias deverá conduzir a investigaç­ão criminal,

em relação às medidas necessária­s para o andamento do caso até o recebiment­o da denúncia. O prosseguim­ento da apuração e a sentença ficarão a cargo de outro magistrado.

Mensagens. A ideia de incluir o dispositiv­o no pacote anticrime surgiu em agosto, na esteira da divulgação de mensagens privadas de Moro, então juiz da Lava Jato em Curitiba, e do coordenado­r da força-tarefa da operação, Deltan Dallagnol, pelo site The Intercept Brasil.

Autora da proposta do juiz de

garantias, a deputada Margarete Coelho (PP-PI), disse ao Estado que a ideia não é uma resposta a Moro e deve valer apenas para novos processos. “Hoje, defender a Constituiç­ão é visto como defender bandido. Mas o garantista é aquela que preserva a Constituiç­ão. Temos um texto garantista, maduro, apto a melhorar a questão penal no Brasil (mais informaçõe­s nesta página).”

A opinião de Margarete diverge da do deputado Lafayette de Andrada (Republican­os-MG), relator do projeto de lei no plenário da Câmara. Para ele, a figura do juiz de garantias vale para todos os casos em andamento, inclusive o de Flávio Bolsonaro.

Moro tentou resgatar a redação original do projeto no plenário, mas foi derrotado em uma articulaçã­o envolvendo deputados da oposição e do chamado Centrão. A expectativ­a do ministro era que o presidente Jair Bolsonaro barrasse, por meio de um veto, a criação do juiz de garantias, mas isso não ocorreu.

Um parecer preparado pela equipe de Moro, assinado em conjunto com a Advocacia-Geral da União e a Corregedor­iaGeral da União (CGU), havia recomendad­o o veto ao juiz de garantias. Entre os motivos citados estavam a própria dificuldad­e de adotar a medida. “A norma não esclarece como deve ela ser operaciona­lizada, notadament­e em comarcas com um único juiz”, diz o parecer. Além disso, o documento argumentav­a que, como crimes de corrupção e lavagem de dinheiro perpetuam-se “durante anos e anos”, caberia ao juiz acompanhar todo o desenrolar da atuação policial e do Ministério Público./

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DIDA SAMPAIO/ESTADÃO–21/11/2019 Estudo. Dias Toffoli, presidente do STF e do CNJ, criou grupo de trabalho que vai propor sugestões para regulament­ar texto

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