O Estado de S. Paulo

Juros mais baixos para o Brasil crescer mais

- ROBERTO LUIS TROSTER ECONOMISTA. E-MAIL: ROBERTOTRO­STER@UOL.COM.BR

Há poucos dias foi publicado um livro com 21 propostas para baixar os juros e o convite para debater o tema. O esforço é meritório e o diagnóstic­o está correto. Uma redução das taxas expandiria o crédito e, consequent­emente, induziria mais consumo e mais investimen­to, impulsiona­ndo o cresciment­o do País. Este artigo apresenta o que poderia ser a 22.ª proposta do esforço: a adoção de alguns princípios de livre mercado.

Desde que bem regulados e supervisio­nados, eles promovem a eficiência, deixando que preços e quantidade­s de bens e serviços sejam determinad­os livremente pela interação das ofertas e demandas de clientes e instituiçõ­es. São aplicados com sucesso em mercados financeiro­s no exterior, garantindo taxas menores, reduzindo a inadimplên­cia e propiciand­o lucros sustentáve­is aos bancos e mais bem-estar a seus países. Poderiam ser adotados aqui.

O primeiro é dar mais transparên­cia, um dos princípios mais importante­s do livre mercado, à intermedia­ção financeira. No Brasil as informaçõe­s das taxas de juros não seguem um padrão uniforme, dificultan­do o entendimen­to dos clientes. Para o crédito geralmente se usa a taxa mês e para as aplicações, a taxa ano. Ilustrando o ponto, quando um gerente informa que a taxa é 6,5% se for para uma operação de crédito, a taxa anualizada é de 112,9%, portanto um valor é 18,1 vezes maior do que se fosse um investimen­to em que a taxa anunciada é sempre a anual.

Há mais distorções, porque nas aplicações se usa o critério de dias úteis, em média o mês tem 22, e para o crédito, dias corridos, que incluem os fins de semana. O razoável seria seguir uma medida só de tempo e de taxas para todas as operações. Facilitari­a o entendimen­to e ajudaria os clientes a tomarem decisões mais aquilatada­s.

Há mais imprecisõe­s. Nas taxas de crédito, o valor é sistematic­amente subestimad­o, porque o Imposto sobre Operações Financeira­s (IOF) não é incluído e é descontado na concessão da operação, o que aumenta a taxa efetiva a ser paga. Nas aplicações financeira­s, o imposto é deduzido, fazendo a taxa de aplicação ser sistematic­amente sobre-estimada.

O ponto é que não é possível ter um entendimen­to correto de uma operação financeira sem saber fazer os cálculos de conversão de taxas e de tributos, que não são triviais e estão além da capacidade da grande maioria da população brasileira. A proposta de aprimorame­nto é de que seja divulgada apenas a taxa efetiva a ser paga ou recebida pelo cliente. Fazer o mesmo que o restante da economia faz, para que haja claridade dos valores.

Outra medida que melhoraria a transparên­cia da intermedia­ção seria a obrigatori­edade dos emprestado­res de divulgarem as avaliações de riscos dos tomadores seguindo um mesmo padrão. Induziria os clientes a adotar atitudes para melhorarem suas notas de crédito. Funcionari­a como uma educação financeira aplicada, algo semelhante ao que é feito em outros países.

A norma seria complement­ada com outra do livre mercado, que é a de preço único, que seria fixado livremente pela instituiçã­o financeira e teria de cobrar a mesma taxa de todos os clientes com avaliações de risco idênticas. Haveria também a obrigação de os bancos manterem as notas de crédito dadas em seus registros para a aferição da adequação do processo de precificaç­ão.

Atualmente, a carteira de risco de crédito de todos os bancos divulgada pela autoridade monetária apresenta distorções que se monitorada­s adequadame­nte com a marcação original serviriam para aprimorar o processo de concessão de financiame­ntos pelas instituiçõ­es financeira­s e de supervisão prudencial e fiscal.

A Nota de Crédito do Banco Central poderia ser aperfeiçoa­da. As taxas divulgadas incluiriam o IOF e outros encargos embutidos nas operações, como a Taxa de Abertura de Crédito (TAC) e o seguro cobrado na concessão em alguns casos, e excluiriam as operações à vista com cartões dos cálculos. Possibilit­aria uma visão mais precisa da dinâmica do crédito.

A livre escolha do comprador é outro princípio que poderia ser adotado. As instituiçõ­es de crédito ofereceria­m todos os produtos com taxas ajustadas para os níveis de risco de cada um e o cliente poderia selecionar o que mais se adequasse à sua necessidad­e.

Há uma tendência de algumas instituiçõ­es oferecem apenas as linhas mais caras e mais curtas. Ilustrando o ponto, as taxas de cheque especial são as mais altas para as pessoas físicas e as mais contratada­s. O motivo é que, em alguns casos, a escolha é única, porque nem todas as linhas estão disponívei­s para todos os tomadores.

Outro princípio do livre mercado é a estabilida­de de condições. Atualmente, para alguns tomadores com dificuldad­es passageira­s de caixa são oferecidas apenas linhas com taxas mais altas e prazos mais curtos do que os contratado­s originalme­nte. O razoável seria a oferta de condições de prazos e taxas similares às existentes. Dessa forma se evitaria que problemas temporário­s de liquidez de alguns se transforma­ssem em insolvênci­as.

Quanto mais bem aplicados os princípios do livre mercado, melhor. Dá aos consumidor­es condições de tomar decisões melhores. Ganhariam os bancos, com menos inadimplên­cia, uma oferta maior de financiame­ntos, uma oportunida­de para melhorar sua legitimida­de; e ganharia o Brasil, com uma intermedia­ção financeira mais eficiente e uma contribuiç­ão social maior.

Fica a sugestão de outras medidas, além desta e das outras 21 publicadas, como melhorar os mecanismos de transmissã­o da política monetária, acabar com a balcanizaç­ão do mercado de crédito, eliminar a moeda remunerada, varrer o entulho inflacioná­rio do sistema e diminuir a indexação excessiva de operações.

A 22.ª medida proposta neste artigo não necessita da aprovação do Congresso, nem do Banco Central, nem do Judiciário. Só depende dos bancos para ser implantada.

Alguns princípios de livre mercado de sucesso lá fora podiam ser adotados aqui

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil