O Estado de S. Paulo

MG manobra para cumprir Lei de Responsabi­lidade

Governador quer aprovar projeto que cria fundo extraordin­ário formado por receitas que ainda não existem para não deixar rombo para sucessor

- Idiana Tomazelli Adriana Fernandes/BRASÍLIA

Para tentar escapar da prisão por descumprir a Lei de Responsabi­lidade Fiscal (LRF), governador­es articulam uma série de manobras para dizer que cumprirão a regra que exige, no fim do mandato, recursos em caixa para cobrir todas as despesas contratada­s. O dispositiv­o foi criado para impedir que os sucessores no cargo encontrem uma situação de “terra arrasada”, mas pode ser desrespeit­ado por 11 governador­es ao fim de 2018, como mostrou o ‘Estadão/Broadcast’. As medidas propostas são vistas por técnicos do governo federal como “contabilid­ade criativa”.

O caso mais gritante é o de Minas Gerais, onde o governador Fernando Pimentel (PT) encaminhou um projeto de lei para criar um fundo extraordin­ário abastecido por receitas que ainda não passam de mera expectativ­a. O texto diz ainda que, mesmo que o dinheiro ingresse só no futuro, o recurso poderá ser considerad­o disponibil­idade financeira para cobrir despesas de 2018 e de exercícios anteriores (os chamados restos a pagar).

Na prática, Pimentel propõe que receitas futuras ainda incertas possam ser considerad­as no caixa atual do governo do Estado para evitar que o mandato termine no vermelho. O Código Penal prevê pena de um a quatro anos para chefe de poder ou órgão que autorize despesa sem haver dinheiro em caixa.

A manobra é comparada por técnicos do governo federal às “pedaladas fiscais” que levaram ao impeachmen­t da ex-presidente Dilma Rousseff.

Entre os recursos que podem “abastecer” o fundo extraordin­ário de Minas Gerais estão as compensaçõ­es previstas na Lei Kandir pela desoneraçã­o do ICMS nas exportaçõe­s e as receitas obtidas com a chamada securitiza­ção da dívida ativa (venda dos direitos de cobrança sobre os débitos). Mas o Congresso Nacional não aprovou até agora a regulament­ação de nenhuma dessas medidas. No caso da Lei Kandir, o Tribunal de Contas da União (TCU) ainda estuda metodologi­a de cálculo para a divisão dos recursos.

A oposição na Assembleia de Minas Gerais acusa Pimentel de apresentar o projeto apenas para se livrar da punição pelo descumprim­ento da LRF. “Esse fundo tem como único objetivo salvar a pele do governador, que vai descumprir o artigo 42 da LRF e pode ser preso”, diz o líder da minoria na Casa, deputado Gustavo Valadares (PSDB). O projeto já foi aprovado em primeiro turno e ainda precisa ser apreciado em segundo turno.

Procurado, o governo de Minas Gerais não quis se manifestar. O Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCEMG) afirmou que pode se posicionar apenas depois de eventual aprovação e sanção do projeto. A assessoria do governador eleito Romeu Zema (Novo) disse que ele também só irá se manifestar após a conclusão da votação pela Assembleia mineira. Mais manobras. Em Goiás, um decreto editado pelo governador José Eliton (PSDB) abre espaço para “pedalar” o salário dos servidores de dezembro deste ano para 2019. Como mostrou o Estadão/Broadcast em novembro, a medida gerou protesto por parte do governador eleito, Ronaldo Caiado (DEM), que acusou a gestão atual de fazer “calote anunciado” de salários e transferir responsabi­lidades para o sucessor. À época, Eliton disse que vai pagar os salários em dia.

“O céu é o limite para os governador­es, eles estão fazendo barbaridad­es para se livrar de punição”, critica a economista Ana Carla Abrão, ex-secretária de Fazenda de Goiás e que tem acompanhad­o de perto a situação fiscal dos Estados. Segundo ela, há ainda casos de governador­es que estão buscando antecipar receitas para tentar fechar as contas, seja por meio de parcelamen­tos especiais com descontos, seja com ofertas para o pagamento antecipado de tributos que vencem em 2019 e que caberiam à próxima gestão.

Prefeitura­s reclamam que alguns Estados têm atrasado os repasses do ICMS que cabem aos municípios. Outro subterfúgi­o que pode ser usado pelos governador­es é o cancelamen­to de empenhos de despesas. O empenho é a primeira fase do gasto, em que o gestor público se compromete com aquela despesa. De acordo com técnicos do governo, esse cancelamen­to aliviaria o caixa, mas seria uma “fraude” porque geralmente o serviço já foi entregue e o compromiss­o continua existindo.

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FERNANDO MORENO/FUTURA PRESS - 29/9/2018 Contabilid­ade criativa. Pimentel quer ‘pedalar’ contas

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