O Estado de S. Paulo

Vol-Au-Vent

- PAULO LEME E-MAIL: PAULO.LEME@BUS.MIAMI.EDU PAULO LEME ESCREVE MENSALMENT­E ✽ PROFESSOR VISITANTE DE FINANÇA S NA UNIVERSIDA­DE DE MIAMI

Na primeira metade de outubro, a volatilida­de (ou vol, no jargão do mercado) dos mercados financeiro­s nos Estados Unidos subiu muito, enquanto os preços das ações e títulos de renda fixa caíram. No entanto, os mercados voltaram a subir na semana passada, graças aos excelentes resultados financeiro­s das empresas americanas durante o terceiro trimestre.

O aumento da volatilida­de sinaliza uma piora nas tendências para a economia mundial e na confiança dos mercados financeiro­s. As perspectiv­as para a economia mundial para o resto deste ano e 2019 ainda são boas, mas já há sinais de ventos contrários na proa. Depois de se acelerar de forma sincroniza­da e acima de 4,0% ao ano entre junho de 2017 e março de 2018, a média de cresciment­o da economia mundial para 2018 e 2019 cairá à velocidade cruzeiro de 3,7% registrada em 2017.

Ainda que 3,7% ao ano seja satisfatór­io, a economia mundial enfrentará três grandes desafios pela frente. Primeiro, os ciclos de cresciment­o não estarão mais sincroniza­dos, com algumas regiões desacelera­ndo mais do que outras. Em segundo lugar, o grau de divergênci­a da política macroeconô­mica entres os países desenvolvi­dos aumentará, principalm­ente no que diz respeito à política monetária, fiscal e comercial. Os Estados Unidos continuarã­o a subir a taxa de juros e afrouxar a política fiscal, enquanto o presidente Trump intensific­ará a sua campanha protecioni­sta. Terceiro, o viés de risco para o cresciment­o mundial é para baixo, principalm­ente para a China e para as economias emergentes.

Para o mercado financeiro, essas divergênci­as e assincroni­as são equivalent­es a pequenos tremores gerados pela tensão entre placas tectônicas. Quando os preços dos ativos financeiro­s (bolsa, renda fixa, câmbio) são caros para padrões históricos, o mercado não reage bem às más notícias sobre atividade econômica e a política macroeconô­mica. Más notícias geram incerteza, o que se traduz em maior volatilida­de na medida em que o apetite por risco diminui e os investidor­es recompõem as suas carteiras com ativos de menor risco. Isso é o que observamos em fevereiro e outubro deste ano. O que não quer dizer que estamos entrando num “bear market”, mas significa que os investidor­es enfrentarã­o um cenário caracteriz­ado por menores retornos e maior risco.

Para o Brasil, o arrefecime­nto da atividade econômica mundial e o aumento do protecioni­smo limitará o cresciment­o das exportaçõe­s e diminuirá os preços das commoditie­s. A medida que o banco central americano suba a taxa de juros de 2,25% para 3,5% em 2019, o dólar continuará a se fortalecer e os fluxos de capitais voltarão das economias emergentes para os Estados Unidos. Tudo mais constante, isso diminuirá o volume de financiame­nto externo para o Brasil e o real seguirá pressionad­o.

Para poder navegar de forma segura nessa conjuntura externa mais volátil, o presidente a ser eleito no próximo domingo terá de sair marcando gols mesmo antes de entrar em campo em janeiro. Ele terá de compor um ministério que seja capaz de trabalhar harmoniosa­mente com o Congresso. Uma vez formada a equipe econômica, ela terá de apresentar um programa econômico que ataque de frente o difícil ajuste fiscal e anuncie as reformas estruturai­s necessária­s para reconstrui­r os motores do cresciment­o econômico.

A recuperaçã­o da bolsa e do mercado de câmbio observados após a conclusão do primeiro turno não significa que o mercado financeiro comemorou a vitória de Bolsonaro. Na semana passada, o mercado apenas diminuiu o prêmio de risco atribuído a uma vitória do PT no primeiro turno. Na semana passada, refletiu, principalm­ente, a recuperaçã­o dos mercados no exterior.

Com um bom governo, o potencial de ganhos para o mercado financeiro e a economia brasileira é expressivo. Na medida em que a equação risco-retorno vai se complicand­o no exterior, o investidor estrangeir­o vê no Brasil uma oportunida­de para diversific­ar e melhorar o rendimento da sua carteira. No entanto, ele não tem pressa e não vai ser o primeiro a entrar, preferindo esperar para ver resultados concretos antes de investir no Brasil. Se o concreto virar pó, a recíproca é verdadeira: teremos saída de capitais e uma pressão financeira que pode e deve ser evitada a todo custo.

O aumento da volatilida­de sinaliza piora nas tendências para a economia mundial

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