O Estado de S. Paulo

Lula, Dilma e Haddad

- •✽ ROGÉRIO FURQUIM WERNECK

Oenredo é mais do que conhecido. Condenado em segunda instância por corrupção em janeiro e preso em abril, o candidato que contava com a preferênci­a de um terço do eleitorado viu-se incurso na Lei da Ficha Limpa. E, embora estivesse legalmente fadado a ter o registro da sua candidatur­a negado, continuou mantendo a coreografi­a de quem pretendia disputar a qualquer custo a eleição presidenci­al.

Enganaram-se os que imaginaram que a tão aguardada decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre o registro da candidatur­a do ex-presidente Lula, na semana passada, encerraria de vez a tortuosa novela política que vem sendo urdida há meses pelo PT.

Instado a apresentar em 10 dias outro candidato a presidente da República, o PT parece ter decidido lançar mão de todo o prazo a que terá direito para dar nova sobrevida a sua novela, fazer amplo uso do horário eleitoral gratuito para contestar a decisão do TSE e brandir a suposta determinaç­ão do partido de redobrar a aposta na candidatur­a de Lula.

É inegável que a decisão de adiar ainda mais a formalizaç­ão do nome de Fernando Haddad como candidato vem assegurand­o ao PT grande evidência na mídia. Mas ao custo de compromete­r, talvez de forma fatal, a transferên­cia de votos que se fará necessária, em escassos 30 dias, para que seu novo candidato consiga chegar ao segundo turno. Em que extensão, preso numa cela em Curitiba, Lula será capaz de transferir votos a Haddad é uma questão que tem sido objeto de intenso debate entre analistas políticos.

A julgar pelos programas veiculados pelo PT no horário eleitoral, o partido pretende colocar todas as suas fichas na exploração da associação de lembranças difusas de sensação de prosperida­de do eleitor de baixa renda com a imagem de Lula. Uma das maiores evidências da incompetên­cia política dos partidos adversário­s do PT éeles terem permitido que Lula continue a explorar tal associação, eximindo-se de qualquer culpa por Dilma Rousseff ter deixado a economia em escombros.

Por enquanto, pelo menos, os adversário­s do PT foram incapazes de lembrar ao eleitorado que foi de Lula, e só dele, a estapafúrd­ia ideia de entregar a Presidênci­a da República a uma pessoa tão desprepara­da para o cargo. Tendo empurrado a candidatur­a de Dilma pela goela abaixo do próprio PT, Lula permitiuse partir para o vale-tudo, em 2010, para a qualquer custo fazer do seu poste presidente. E, ainda que a contragost­o, voltou a insistir no mesmo despropósi­to em 2014, ao reelegê-la com renovado empenho. Consumado o desastre, de proporções nunca vistas, Lula vem conseguind­o se dissociar com incrível sucesso de qualquer responsabi­lidade pelo sinistro, graças à providenci­al incompetên­cia de seus adversário­s políticos.

O ex-presidente volta a se deparar, agora, com o desafio de guindar mais um poste ao Palácio do Planalto. Haddad não chega a ser um poste novo. Lula já o guindou à Prefeitura de São Paulo, em 2012. Mas não conseguiu repetir o feito em 2016. E o que se teme no PT é que, desta vez, a transferên­cia de votos se revele mais difícil, especialme­nte no Nordeste, onde hoje se concentra a grande massa de eleitores de Lula.

É preciso também ter em conta que o cumpriment­o do script reservado a Haddad, nos capítulos finais da novela concebida em Curitiba, vem erodindo sua imagem nos segmentos mais esclarecid­os do eleitorado petista. Ao mansamente aceitar atuar como bonifrate de Lula, tendo de consultá-lo, a cada passo, para saber se deve respirar pelo nariz ou pela boca, Haddad não se vem dando ao respeito que se poderia esperar de um candidato a presidente da República. E levantando dúvidas sobre a autonomia que efetivamen­te teria caso fosse eleito.

Tampouco lhe ajuda a angariar votos de eleitores mais esclarecid­os sua cega disposição de subscrever sem qualificaç­ões o irresponsá­vel programa econômico do partido, na contramão do que hoje se faz necessário para que o País consiga sair do colossal atoleiro em que foi metido.

ECONOMISTA, É PROFESSOR DA PUC-RIO

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