O Estado de S. Paulo

Com Trump, honra e integridad­e são coisas do passado

Presidente está redefinind­o o Partido Republican­o, que se atrelou ao indivíduo mais corrupto que já foi eleito chefe de Estado dos EUA

- PETER WEHNER TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ /

Nunca houve dúvidas sobre os defeitos de caráter de Donald Trump. A questão sempre foi saber até onde ele chegaria, e se outras pessoas ou instituiçõ­es o enfrentari­am ou se tornariam cúmplices de sua corrupção. Na primeira vez que usei este espaço para escrever sobre Trump, três anos atrás, aconselhei meus companheir­os republican­os a dizer não, tanto a ele quanto a sua candidatur­a.

Uma de minhas preocupaçõ­es era a de que, se eleito, Trump redefiniss­e o Partido Republican­o a sua imagem e semelhança – e isso já vem ocorrendo: no livre-mercado e no tamanho do governo; no nacionalis­mo étnico e na política de identidade branca; nos compromiss­os dos EUA com seus aliados tradiciona­is; e em como os republican­os veem a Rússia. Mas em nenhuma área Trump mudou tão fundamenta­lmente o partido quanto em ética e liderança política.

Os republican­os, especialme­nte os mais conservado­res, sempre insistiram em que caráter e vida pública andam juntos. Foram enfáticos sobre isso quando estourou o escândalo envolvendo Bill Clinton e Monica Lewinsky.

Isso tudo mudou com Trump presidente. Para os republican­os, honra e integridad­e se tornaram coisas do passado. Na semana passada, ante um juiz e sob juramento, Michael Cohen, exadvogado de Trump, o implicou em atividades criminosas, enquanto em outro tribunal o ex-chefe de campanha do presidente era condenado por fraude financeira.

A maioria dos republican­os no Congresso calou-se ou saiu em defesa de Trump. É uma reviravolt­a assustador­a. Um partido que antes falava com ênfase da importânci­a da liderança ética, da fidelidade, honestidad­e, honra, decência, bons exemplos – atrelou-se ao indivíduo mais convictame­nte corrupto que já foi eleito presidente. Antecessor­es de Trump já se mostraram inescrupul­osos, mas nenhum se envolveu numa corrupção de tão amplo espectro.

Para muitos republican­os, a ficha dessa realidade ainda não caiu. As condenaçõe­s morais contra Trump são conhecidas e avassalado­ras. A corrupção é evidente em sua vida privada e na pública. Está no modo como ele trata as mulheres, em seus negócios, em sua patológica crueldade, na propensão à mentira, em sua agressivid­ade sem arrependim­ento e em seus conchavos. Ela desperta os mais sombrios impulsos dos americanos. O instinto de corrupção de Trump é de raiz, resultado de uma vida de maus hábitos. Foi ilusão achar que ele melhoraria se eleito presidente.

Muitos de nós, republican­os veteranos que já trabalhara­m em governos republican­os, tínhamos a tênue esperança de que uma hora nosso partido lhe diria “chega!” se Trump excedesse irremediav­elmente os limites. Não tivemos tanta sorte. O partido assumiu a corrupção de Trump, que até agora não chegou ao limite e talvez nunca chegue. É bem possível que, caso eu não estivesse blindado a algumas realidades que deveria ter reconhecid­o, isso se tornasse óbvio para mim mais cedo.

De qualquer modo, o até agora inquebráve­l comprometi­mento do Partido Republican­o com Trump começa sair caro. O movimento evangélico branco, que se alinhou a ele, sofreu um estrago e perdeu muito crédito. Há também um custo eleitoral a ser pago em novembro. Mas o estrago maior é o que está sendo causado a nossa cultura cívica e a nossa política. Trump e o Partido Republican­o são hoje símbolos da lei do mais forte, da corrupção e cinismo na vida política. Desumaniza­r os outros tornou-se regra e a verdade passou a ser relativa.

A política está sendo despida de nobreza. Claro que política não é só isso. Mas se ela se resumir ao poder sem os limites da moralidade, à lei da selva, todo o esquema entrará em colapso. Temos de diferencia­r entre líderes imperfeito­s e líderes corruptos.

Um aviso a meus amigos republican­os: o pior está por vir. Graças ao trabalho de Robert Mueller, vamos descobrir camadas cada vez mais profundas da corrupção de Trump. Espero então que Trump se revele mais, à medida que se sinta mais acuado, mais desesperad­o, mais enraivecid­o e seu comportame­nto se torne cada vez mais errático, desordenad­o e insano. A maioria dos republican­os, tendo apostado forte no “vamos fazer os EUA grandes novamente” de Trump, ficará com ele até o fim. Mas será que um corte de impostos, alguma desregulam­entação e alguns cargos compensam isso?

É ESCRITOR E MEMBRO DO CENTRO DE POLÍTICA PÚBLICA E ÉTICA

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