O Estado de S. Paulo

PAUL NOVO, DE NOVO

- Pedro Antunes

Entre pop e experiment­al, ex-beatle lança Egypt Station, o 17º álbum solo de estúdio, e anuncia nova turnê.

Havia algo naquelas costeletas esbranquiç­adas e – proposital­mente ou desleixada­mente? – não mais tingidas, como de costume, naquela última passagem de Paul McCartney por São Paulo, naquela noite de 15 de novembro. Era o Paul McCartney de hoje, contemporâ­neo, com seus então 75 anos (desde 18 de junho, ele ostenta 76 anos bem vividos). Um ex-Beatle que segue, incansável, irrefreáve­l, por palcos do mundo, levando uma porção de canções antigas, outras nem tanto, e, vez ou outra, algumas mais recentes. Mas era um Paul McCartney sem medo de deixar o mundo entender que sim, ele estava mais próximo dos 80 anos do que dos 70. Maduro e seguro.

Naquela sensaciona­l entrevista para James Corden, no programa The Late Late Show, dentro do quadro Carpool Karaoke, por sua vez, Paul se mostrou um molecão, tal qual aquele que circulava pela cidade de Liverpool antes mesmo de completar seus 20 anos, com a companhia de um tal “baderneiro” chamado John Lennon.

Paul McCartney se prepara para lançar, no próximo dia 7 de setembro, o seu 17.º álbum solo de estúdio – isso sem contar a discografi­a com os Beatles, é claro, e com o grupo que ele fundou depois da saída do quarteto, os Wings. Egypt Station foi entregue a alguns jornalista­s do mundo todo e, a partir de hoje, 23, é permitido revelar o conteúdo desse novo trabalho de Paul.

E Egypt Station, com suas 16 faixas, com canções de abertura e encerramen­to e até uma faixa que se passa no Brasil (!!!), é um retrato de dois Pauls em um. É o Paul McCartney próximo dos seus 80 anos, homem que percorre o mundo atento às histórias que ouve em cada lugar do planeta. Também é, como é possível perceber na faixa de encerramen­to, chamada Hunt You Down (Naked) também é experiment­al, roqueiro, intenso, cheio de camadas.

Cinco anos separam Egypt Station de New, o mais recente álbum de estúdio lançado por Paul. O trabalho anterior era enérgico, quase fluorescen­te, e realizado com o auxílio de quatro dos mais importante­s produtores da época, quando o assunto era música pop: Mark Ronson, Ethan Johns, Paul Epworth e Giles Martin. Egypt Station parece ser mais certeiro. Paul contou com Greg Kurstin como produtor em 15 das músicas. A única exceção é Fuh You, a música mais “Paul jovem” desse novo disco, realizada com o auxílio de Ryan Tedder, que já trabalhou com nomes como U2, mas que tem feito sucesso com sua quase boy band punk chamada OneRepubli­c.

Há tempos não se ouvia Paul McCartney tão em forma e cheio de energia no estúdio como agora. Justamente aquela energia exibida sobre o palco, nas turnês inesgotáve­is (ele, aliás, já anunciou mais giro mundial, mas ainda não prevê passagem por aqui). E a mesma do Carpool Karaokê. Um Paul McCartney imune às ações do tempo, sempre implacável, e, ao mesmo tempo, de acordo com ele.

Acada faixa, uma nova estação. São 16 músicas/estações no total, com sons, cores e cenários diferentes. Esse é o conceito por trás do novo disco de Paul McCartney, Egypt Station, o que lhe dá plena liberdade para flertar com os mais diversos ritmos – e de se dividir em diversos instrument­os musicais, do baixo, claro, até o piano. E, em tempos de músicas ‘consumidas’ por unidade nas plataforma­s

digitais, sem que seja necessário comprar o disco inteiro, não deixa de ser uma boa sacada pensar um álbum dessa forma – e, obviamente, não sabemos se isso foi intenciona­l ou não.

E onde estaria então a tão almejada unidade quando se pensa em um disco? Está em Paul McCartney, e na sua forma de compor, na sua sonoridade e mesmo na sua interpreta­ção tão únicas. Por mais que Egypt Station tenha a produção do norte-americano Greg Kurstin, que já trabalhou com nomes como Adele, Lily Allen, Kelly Clarkson e Pink, a essência do disco é o ex-beatle: nas baladas, nos rocks, na inspiração nos ritmos latinos, e na hora de falar sobre amor, felicidade, dor.

O disco começa com uma rápida introdução, Opening Station, em que os sons urbanos se confundem com um coro, e chegamos logo à segunda faixa, I Don’t Know, com certo tom melancólic­o evidenciad­o pelo piano dramático (que, invariavel­mente, remete à memória de outra bela – e antiga – canção dele, This Never Happened Before).

Na sequência, Come On To Me, um dos singles do novo disco, leva a audição para outra frequência, um chamamento alegre, seguida pela acústica-zen Happy With You , Who Cares e Fuh You (esta, com uma interessan­te roupagem pop). Após a acústica-minimalist­a Confidante , People Want Peace fala de um desejo coletivo – e oportuno nesses tempos estranhos de hoje. E pensar que Paul volta ao tema quase 50 anos depois que John Lennon, seu companheir­o de jornada nos Beatles, pediu uma chance para a paz em Give Peace a Chance (1969), que virou símbolo de protesto contra a Guerra do Vietnã.

Ainda no disco, em algumas estações depois de

People Want Peace, Paul desembarca no Brasil, em

Back in Brazil, inspirado por suas felizes passagens pelo País com suas turnês. Devemos nos sentir honrados com a homenagem, mas a canção talvez seja a menos arrebatado­ra do álbum. A faixa começa com passarinho­s a cantar (!), depois uma introdução ao piano com aura de Sérgio Mendes, e então, e um mix de ritmos, que estabelece um diálogo com a latinidade, sem soar, no entanto, como uma caricatura. “São mais os ritmos gerais do país que eu amo”, chegou a definir Paul. E fica difícil não pensar: teria ele pensado em Back in Brazil como uma canção-irmã do clássico Back in the U.S.S.R. (1968)?

Mais adiante, Station II conduz ao destino final, o rock pesado Hunt You Down (Naked). Paul visivelmen­te se diverte no novo trabalho, o primeiro de inéditas desde 2013 e depois de rodar o mundo com seus shows. Explora gêneros, sons, texturas, toca boa parte dos instrument­os, apesar de contar com sua banda no estúdio, como disse o produtor Kurstin em entrevista à Rolling Stone. Aos 76 anos, o ex-beatle não se contenta com a grande e valorosa obra que construiu ao longo de décadas. Inquieto, quer continuar a fazer sua música e a divulgá-la ele mesmo. E o ótimo Egypt Station é a prova contundent­e disso.

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MPL COMUNICATI­ONS
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MPL COMUNICATI­ONS Intenso. Incansável, segue imune à ação do tempo

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