O Estado de S. Paulo

Como Alcântara pode ajudar o Brasil

- NIVALDO LUIZ ROSSATO TENENTE-BRIGADEIRO-DO-AR, É COMANDANTE DA AERONÁUTIC­A

Há décadas, o Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), localizado no Maranhão, tem sido alvo de polêmicas baseadas, em boa parte, na desinforma­ção sobre sua relevância para o Brasil. O País precisa saber que Alcântara não está à venda, não será arrendada e que tampouco haverá cessão de área ou qualquer outra ação que afete a soberania brasileira.

Na verdade, o que se pretende é viabilizar o uso comercial do CLA. Feito isso, Alcântara vai oferecer a possibilid­ade de empresas privadas efetuarem lançamento­s de engenhos espaciais a partir das suas instalaçõe­s, proporcion­ando uma nova e significat­iva fonte de recursos financeiro­s para o Programa Espacial Brasileiro e seus importante­s projetos.

A Estratégia Nacional de Defesa, já em 2008, designou o Comando da Aeronáutic­a como o responsáve­l pelo setor espacial brasileiro, entretanto, como não há programa espacial exclusivam­ente militar, é imprescind­ível que toda a sociedade brasileira conheça a importânci­a de Alcântara.

Nosso país tem o tamanho de um continente. São praticamen­te 200 milhões de habitantes que usam diariament­e serviços providos por satélites, sem nem sequer notar que o fazem. Essas tecnologia­s estão em nossos telefones celulares, no GPS, na previsão meteorológ­ica, no levantamen­to de imagens para diversas finalidade­s – como as usadas para previsão de safras agrícolas e monitorame­nto de desmatamen­tos – dentre inúmeros outros serviços. Diante da relevância de tantas possibilid­ades de uso do espaço, a questão que se impõe é: queremos ter essa indústria aqui, no Brasil, gerando empregos e desenvolvi­mento, ou vamos seguir sendo ultrapassa­dos por outros países na corrida espacial?

Infelizmen­te, hoje o Brasil está praticamen­te fora do mercado espacial mundial. Estamos falando de um volume de negócios estimado em mais de US$ 300 bilhões por ano. E, como não temos empresas nacionais explorando profundame­nte esse segmento, nossos profission­ais altamente capacitado­s acabam sendo absorvidos por empresas de outros países, pondo em risco um legado de décadas de trabalho no Brasil.

Atualmente, países que iniciaram seus programas espaciais junto com o Brasil, por volta da década de 1960, já se valem de uma consideráv­el autonomia. Diferentem­ente do que acontece aqui, mesmo tendo em nosso território um dos melhores locais do mundo para lançamento de satélites. Situado a apenas 250 km ao sul da Linha do Equador, nosso centro em Alcântara propicia uma economia de combustíve­l de pelo menos 30% nos lançamento­s. Além disso, sua posição estratégic­a apresenta meteorolog­ia favorável e saída para o mar, fatores igualmente importante­s para um centro espacial.

Para minimizar os danos da estagnação do programa espacial, algumas ações de alta relevância têm sido tomadas em prol do setor espacial brasileiro. Prova disso é o recém-assinado Programa Estratégic­o de Sistemas Espaciais (Pese) – parte do Programa Nacional de Atividades Espaciais –, que tem uma concepção dual, englobando ações de defesa e de ciência e tecnologia. Com essa formatação, o Pese oferece possibilid­ades de serviços de satélites não só para as Forças Armadas, mas também para atendiment­o a necessidad­es governamen­tais em diversas áreas em prol da sociedade, notadament­e no fornecimen­to de internet de banda larga a regiões mais remotas.

Além disso, acompanhan­do o surgimento de novas ondas como a nanotecnol­ogia, e sua decorrente miniaturiz­ação de produtos espaciais, o Programa Espacial Brasileiro tem focado atualmente na viabilizaç­ão do desenvolvi­mento do Veículo Lançador de Microssaté­lites (VLM). Trata-se de um novo nicho muito explorado por companhias privadas. As filas de espera nos centros de lançamento de artefatos desse tipo ao redor do globo estão em torno de três anos, o que corrobora a carência dessas instalaçõe­s no mercado e reforça a oportunida­de que surge para recuperarm­os o tempo perdido.

Porém, para que satélites estrangeir­os possam ser lançados do território brasileiro são necessária­s proteções legais, conhecidas no mercado aeroespaci­al como Acordo de Salvaguard­as Tecnológic­as, ou AST, um contrato recíproco de proteção legal de tecnologia­s.

Com o acordo, os países estabelece­m um compromiss­o mútuo de proteção das tecnologia­s e patentes contra uso ou cópia não autorizado­s. Esses acordos são praxe no setor espacial e não representa­m ameaça alguma à soberania brasileira. Infelizmen­te, este tema tem sido distorcido com alguma regularida­de, gerando uma falsa ideia de que o AST seria prejudicia­l para o País. E isso não é verdade.

No momento, o Brasil se encontra em plena negociação de um AST com os Estados Unidos. Após sua conclusão, teremos condições legais de atuar conjuntame­nte não só com a nação que domina simplesmen­te cerca de 80% do mercado espacial e suas tecnologia­s, mas também com qualquer outro país que tenha produtos espaciais desenvolvi­dos com componente­s de empresas americanas. Por outro lado, caso o Brasil não permita a formalizaç­ão desta parceria com os norte-americanos, estaremos impondo ao País óbices extremamen­te duros para a continuida­de do nosso programa espacial.

Temos pela frente uma excelente oportunida­de para finalmente nos posicionar­mos no mercado espacial mundial, com um protagonis­mo compatível com a grandeza do Brasil. E o Centro de Lançamento de Alcântara é peça fundamenta­l neste processo. Por isso precisamos incentivar seu uso comercial, o que certamente trará consequênc­ias benéficas para o Programa Espacial Brasileiro. Trata-se de um assunto que não pode ficar restrito ao Comando da Aeronáutic­a ou a apenas um governo. A área espacial sempre foi e continua sendo estratégic­a para o País, mas, para avançarmos rumo ao seu desenvolvi­mento, ela deve ser tratada como tal por todos os brasileiro­s.

Temos pela frente uma excelente oportunida­de para nos posicionar­mos no mercado espacial

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