O Estado de S. Paulo

Crise afeta setor de mídia em agências

Em um momento de aperto financeiro, cortes atingem profission­ais que planejam veiculação de campanhas

- Lílian Cunha ESPECIAL PARA O ESTADO

A receita para anunciar, no passado, era simples. Bastava escolher entre rádio, TV, revista, jornal e outdoor. Ou fazer uma combinação de veículos. Agora, além desses meios, há Instagram, Facebook, Google, Twitter, blogueiros, “influencer­s” e mais uma série de aplicativo­s ou “pontos de contato” com o consumidor. Navegar essa complexida­de parece exigir estratégia e experiênci­a. No entanto, na contramão dessa necessidad­e de planejamen­to, as agências estão cortando justamente do profission­al de mídia, responsáve­l por guiar a comunicaçã­o de uma marca em um terreno cada vez mais complexo.

O departamen­to de mídia estuda o mercado para decidir quando e como é melhor anunciar. O problema é que, em um momento de crise econômica, que se refletiu em dificuldad­es para o mercado publicitár­io, esse departamen­to vem sendo afetado por cortes – e o alvo principal são justamente os cargos de liderança, que pagam salários mais altos. Para Paulo Sant’Anna, vice-presidente de mídia da McGarryBow­en e presidente do Grupo de Mídia São Paulo, trata-se de um “tiro no pé”.

O profission­al de mídia, segundo Sant’Anna, não só faz a triagem de quanto um cliente deve investir em cada veículo, mas também negocia preços de inserções. Ele defende que, se essa tarefa ficar nas mãos de alguém pouco experiente ou mal preparado, o alcance da campanha – por mais criativa que seja – pode ser prejudicad­o, já que a mensagem poderá ser desperdiça­da nos meios errados. “Perde a agência, perde o cliente”, resume.

Cortes. A Young & Rubicam é uma das agências que reestrutur­aram seu departamen­to de mídia. Extinguiu o cargo de vicepresid­ente de mídia, os de diretores gerais e os de diretores de grupo, segundo Gláucia Montanha, que assumiu há um ano como diretoria-geral de mídia.

“O que fizemos foi mudar uma estrutura que tinha vários patamares, até chegar ao VP (vice-presidente) de mídia, por outra mais horizontal, mais enxuta e efetiva”, explica Gláucia. O formato, diz, foi inspirado no modelo das startups, com mais cargos gerenciais e menos diretorias e chefias.

A WMcCann também vem fazendo mudanças – provocadas por problemas financeiro­s, segundo

André França, diretorger­al de mídia da agência. Enquanto tenta administra­r a questão dos custos, a empresa busca um novo perfil de profission­al de mídia, que deve entender também de análise de dados e de ferramenta­s de tecnologia.

Embora acredite que o profission­al de mídia não possa ter uma formação apenas da área de humanas, como tradiciona­lmente ocorria, o executivo da WMcCann admite que ainda

não se sabe qual é o novo modelo ideal para o departamen­to.

Para Mario D’Andrea, presidente da Associação Brasileira de Agências de Publicidad­e (Abap), as agências ainda estão “tateando” como atuar em um cenário pulverizad­o. “As pessoas mudaram seus hábitos de mídia. Clientes e agências sempre estão atrasados em relação ao consumidor”, diz. “Por isso, o mídia deveria ser mais valorizado. Mas, em vez disso, o profission­al

que se valoriza agora por aí é o que fica atrás de números: quantos ‘views’, quantos ‘likes’, quantas impressões. E isso não quer dizer nada.”

D’Andrea diz que a crise do setor de mídia nas agências brasileira­s não reflete o cenário do mercado internacio­nal. Lá fora, segundo ele, a experiênci­a é valorizada. “A publicidad­e deixar de lado o líder do departamen­to de mídia é como um banco abrir mão de suas lideranças e deixar o gerente iniciante cuidar da fortuna do cliente.”

Clientes. A diretora de marketing da montadora alemã BMW, Nina Dragone, diz que o mercado está se transforma­ndo e que essa realidade exige um profission­al mais completo. “Mas isso de forma nenhuma quer dizer que o departamen­to (de mídia) precisa ser enxugado. Equipes enxutas demais acabam impactando o cliente também”, diz ela.

Segundo Ricardo Armbrust, ex-profission­al de mídia de agências como Africa, Dentsu, Fischer America e atual executivo da Johnson & Johnson, a crise nas agências afetou mais os departamen­tos de mídia. “Os clientes – e não falo só por mim – estão preocupado­s. As agências perderam muito tempo quando colocaram os profission­ais de criação na liderança. Agora, estão perdendo o foco novamente ao dilacerar a área de mídia.”

 ?? FELIPE RAU/ESTADÃO ?? Estratégia perigosa. Enxugar setor de mídia pode afetar resultado de campanhas, diz Sant’Anna, da McGarryBow­en
FELIPE RAU/ESTADÃO Estratégia perigosa. Enxugar setor de mídia pode afetar resultado de campanhas, diz Sant’Anna, da McGarryBow­en

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