O Estado de S. Paulo

Ataques a bancos deixam cidades sem dinheiro

Bolso vazio. Fenômeno atinge pequenos municípios, especialme­nte no Nordeste, que têm sofrido com roubo a banco e explosões de caixa eletrônico; após ataques, instituiçõ­es financeira­s, sob o argumento da inseguranç­a, optam por operar sem cédulas e moedas

- Fernando Nakagawa ENVIADO ESPECIAL SÃO MIGUEL DO TAPUIO (PI)

Roubos a bancos e caixas eletrônico­s têm levado instituiçõ­es financeira­s a operar sem dinheiro em espécie no interior do País. Para receber o benefício, aposentado­s viajam ou pagam boletos em troca de cédulas, relata Fernando Nakagawa.

A porta de ferro acabava de ser aberta e quase 50 aposentado­s já se aglomerava­m em frente aos três guichês da lotérica Ponto da Esperança. Enquanto idosos se abanavam, atendentes procuravam distração no celular. A fila não andava. O único movimento era o do velho ventilador, que tentava combater o calor de 30 graus antes das 9h na última quarta-feira. Ninguém era atendido porque, mais uma vez, São Miguel do Tapuio estava sem dinheiro em espécie.

Na tentativa de conseguir receber o pagamento de benefícios ou pensões, todos se espremiam no salão abafado no aguardo de pessoas que fossem pagar contas ou fazer uma aposta na loteria. A espera do primeiro da fila só terminava ao entrar dinheiro suficiente para pagar seu benefício. “Tem gente que espera até cinco, seis dias para receber”, diz a atendente da lotérica, Iradeth Soares Silva.

Na cidade do sertão piauiense, a falta de cédulas começou no fim de 2017. Três assaltos seguidos e uma explosão fizeram com que Banco do Brasil, Bradesco e Correios deixassem de aceitar dinheiro no município, a 220 km de Teresina. Sem poder pagar contas com dinheiro ou sacar recursos nas agências, os 17 mil tapuienses passaram a recorrer à lotérica da cidade para tentar ter acesso a dinheiro.

O fenômeno atinge pequenas localidade­s, sobretudo no Nordeste, que têm sofrido com a onda de roubos a agências bancárias e caixas eletrônico­s. Após os ataques, bancos voltam a funcionar, mas, com o argumento da inseguranç­a, optam por operar sem dinheiro. No primeiro semestre deste ano houve 1.275 ataques a instituiçõ­es financeira­s, segundo a Contrasp, confederaç­ão que reúne trabalhado­res do setor de segurança bancária. No mesmo período de 2017, foram 1.090.

Um detalhe legal permite que instituiçõ­es financeira­s rejeitem dinheiro. Ao rebaixar o local de “agência” para “posto de atendiment­o” (PA), o banco pode adotar regras flexíveis de funcioname­nto, como evitar cédulas e moedas. Desde 2016, deixaram de ter sua única agência bancária 215 municípios. Ao mesmo tempo, 189 ganharam um PA como único canal de atendiment­o, segundo o Banco Central. Não há informação sobre quantos desses postos aceitam dinheiro.

Quando essas regras mais flexíveis foram anunciadas pelo BC em 2012, o setor dizia que a medida olhava para as melhores experiênci­as no exterior e para o futuro, em que o uso de dinheiro seria cada vez menor. “Não sei mexer naquela máquina. Já tentaram me ensinar, mas não consigo”, diz o aposentado Francisco Alves de Souza, de 82 anos. Mesmo se soubesse, não adiantaria. Os cinco caixas eletrônico­s instalados na cidade não permitem saque.

Na porta do BB em São Miguel, duas placas tentam afastar assaltante­s ao avisar que não há valores por ali. Dentro, o cliente só consegue conferir o saldo, pagar contas eletronica­mente, pedir empréstimo ou abrir uma poupança que não poderá receber depósitos em dinheiro. É quase como um açougue que só vende carvão e pão de alho.

Nova moeda. Sem banco para oferecer mais cédulas, a economia dessas localidade­s passa a usar uma nova moeda de troca: boletos. Todo mês, Francisco e dezenas de outros pensionist­as participam de uma verdadeira maratona para receber os R$ 954 da Previdênci­a.

Dias antes da data de pagamento começam a visitar comerciant­es para perguntar se há contas a vencer com valor próximo do salário mínimo. Se a resposta for positiva, guardam o boleto até o dia do pagamento. Nessa data, o aposentado vai ao posto de atendiment­o do BB ou Bradesco e, sem ver o dinheiro, pede ao funcionári­o para pagar a conta com o montante depositado pelo INSS na conta. Em seguida, corre para o comerciant­e com o boleto autenticad­o para, finalmente, colocar a mão na aposentado­ria.

A prática é tão comum que comerciant­es da cidade já medem o tamanho dos negócios pelo volume de boletos entregues aos aposentado­s. “Carrego uns três ou quatro velhinhos por mês. Tem comerciant­e que ajuda uns 20”, diz o dono da Lanches Loiola, Valdomiro Rodrigues.

Aos que não conseguem um boleto, a opção é a fila na lotérica e esperar chegar o dinheiro.

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THIAGO AMARAL/ESTADÃO Aviso. Banco do Brasil de São Miguel do Tapuio (PI) não tem cédulas
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THIAGO AMARAL / ESTADÃO Antirroubo. Agência alerta que não opera com dinheiro

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