Duas visões da insegurança
Para empresários, um quadro político obscuro; para consumidores, cotidiano difícil.
Encerrado o bloqueio de estradas, a produção industrial voltou a crescer e os empresários projetam atividade em alta neste semestre, mas sem confiança para investir e para ampliar o número de empregados. Este cenário misto – de recuperação a curto prazo e de muita incerteza associada à evolução da economia – é apresentado na última sondagem da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Há muita insegurança quanto às eleições e aos impactos da tabela dos fretes e do subsídio ao diesel nos custos das empresas e nas contas do governo, disse o gerente executivo de Política Econômica da CNI, economista Flávio Castelo Branco. A expectativa mais difusa de um segundo semestre melhor que o primeiro, mas sem manifestações de entusiasmo, foi captada também por uma pesquisa do Serviço de Proteção ao Crédito em parceria com a Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas (CNDL). As condições ainda difíceis do mercado de trabalho foram apontadas como uma das principais preocupações dos consumidores.
Duas perspectivas de avaliação aparecem nas pesquisas da CNI e das entidades do comércio. A primeira, mais técnica, vai da evolução recente da atividade para as expectativas de demanda interna e externa até o horizonte definido pelas eleições deste ano, especialmente pela sucessão presidencial. A segunda reflete a experiência pessoal e familiar, os ganhos e perdas do dia a dia, a percepção ainda muito fraca das melhoras ocorridas depois da recessão e os temores diante de um panorama ainda enevoado.
Segundo a sondagem da CNI, a produção industrial subiu em junho, depois da queda em maio, e retornou ao nível de abril, em 50,8 pontos, pouco acima da linha divisória de 50 pontos. Em maio havia caído até 41,6 pontos. A utilização da capacidade instalada ficou em 66%, maior patamar para o mês em três anos e três pontos porcentuais acima do anotado em maio. Com isso, foi retomada a ocupação de capacidade de março e abril.
As expectativas de evolução da demanda aumentaram, assim como as previsões de compras de matérias-primas e de exportações. Os três indicadores ficaram acima da linha divisória, situando-se em 56,4 pontos, 54,5 e 55,4. Também houve avanço, nos três casos, em relação a junho do ano passado. A expectativa quanto ao número de empregados continuou no território negativo, em 49,5 pontos. A maior confiança quanto à evolução dos negócios neste semestre ficou longe, no entanto, de reforçar os planos de investimento, isto é, de expansão e de modernização da capacidade produtiva.
O índice de intenção de investir teve a quinta queda consecutiva e atingiu em julho 49,4 pontos – muito baixo, mas superior ao de um ano atrás, de 46,6, e muito mais alto que o de julho de 2015, quando ficou em 41,3 pontos. Apesar da insegurança revelada na sondagem, os empresários têm comprado máquinas e equipamentos, em boa parte motivados pela necessidade de reposição.
Do lado dos consumidores, a pesquisa das entidades do comércio mostrou pelo menos um dado positivo: 38,9% disseram esperar no segundo semestre um cenário melhor que o do primeiro, enquanto 29,4% apontaram um quadro igual e 14,8% falaram em piora das condições. Mas, para a maioria, a percepção das dificuldades continua mais forte que a das melhoras a partir de 2017, quando o País saiu da recessão.
Só 23,3% disseram ter sentido mudanças positivas, mencionando fatos como aumento do consumo, preços mais estáveis ou criação de vagas. Os outros 76,7% negam ter percebido melhoras no dia a dia. No entanto, 41,8% mostraram algum otimismo quanto às finanças pessoais neste semestre. É fácil compreender a cautela geral. Segundo 57%, eles mesmos ou membros de suas famílias enfrentaram o desemprego.
Para os empresários, a insegurança provém basicamente do quadro político obscuro. Para os consumidores, a incerteza é em boa parte uma projeção do cotidiano ainda difícil. Falar aos dois grupos é certamente um dos maiores desafios para qualquer candidato comprometido com responsabilidade e modernização.