O Estado de S. Paulo

Licença para gastar

- ADRIANA FERNANDES E-MAIL: ADRIANA.FERNANDES@ESTADAO.COM ADRIANA FERNANDES ESCREVE AOS SÁBADOS É JORNALISTA DO BROADCAST

Agreve dos caminhonei­ros levou o IPCA de junho ao patamar de 1,26%, o mais alto para o mês desde 1995. E de quebra o repique inflacioná­rio acabou provocando um efeito colateral no Orçamento da União: permitir um aumento de despesas para o próximo presidente da República.

Com o resultado da inflação de junho, a taxa acumulada em 12 meses saltou de 2,86% em maio para 4,39% no mês passado. É justamente essa inflação de 12 meses encerrada em junho que corrigirá o teto de gastos, fixando o volume máximo de despesas que poderão ser feitas em 2019. A emenda que criou o teto trava o cresciment­o das despesas à inflação do ano anterior.

A forte aceleração da inflação deu uma “folga” de R$ 15 bilhões no teto. Esse espaço fiscal aberto poderá até mesmo ser maior porque as projeções iniciais da área econômica foram feitas com base num IPCA um pouco menor em junho. O valor é próximo ao que o governo vai gastar este ano para bancar a redução de R$ 0,46 no preço do diesel na bomba.

Discretame­nte, o governo não esconde que está aliviado. Com essa folga, ficará mais fácil administra­r o Orçamento de 2019, que está com muito pouco espaço para investimen­tos e a continuida­de de programas importante­s por causa do avanço sem trégua das despesas obrigatóri­as.

O desgaste para administra­r a adoção de novas medidas para cobrir o buraco orçamentár­io e garantir que o teto não estoure no primeiro ano do próximo governo continua. Mas agora será, sem dúvida, menor. Tudo indica, porém, que será necessário ainda suspender o reajuste dos servidores. Uma batalha difícil que poderá ser resolvida com a aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentár­ias com dispositiv­o que não permite o reajuste. Torcida. Mas é constrange­dor que no segundo ano de funcioname­nto do teto a inflação funcione como uma licença para gastar. O governo fixa um teto pra mostrar que não vai gastar mais e depois torce discretame­nte quando a inflação sobe e abre espaço para o aumento das despesas. Definitiva­mente, não foi esse o script desenhado para o ajuste da economia e das contas públicas.

As perdas com a greve dos caminhonei­ros vão se acumulando.

Enquanto “torce” por uma inflação mais alta para gastar mais, a área econômica deixou de usar a Lei de Responsabi­lidade Fiscal (LRF) a seu favor para evitar a perda de arrecadaçã­o com a onda de Refis aprovados pelo Congresso.

O governo errou em abrir o prazo de adesão aos programas de parcelamen­to de débitos para as micro e pequenas empresas e o Funrural (contribuiç­ão previdenci­ária de produtores rurais individuai­s). As autorizaçõ­es foram aprovadas pelo Congresso em flagrante desrespeit­o à LRF, que cobra compensaçõ­es para renúncias de receitas, o que não foi seguido nesses casos. Artigo 14 da lei fiscal obriga a estimativa do impacto das perdas e as medidas para compensá-las.

Havia embasament­o jurídico para o governo não abrir a adesão até que as compensaçõ­es pelas perdas de arrecadaçã­o fossem apontadas e aprovadas.

Por que, então, abriu?

O governo Temer, é claro, preferiu não comprar briga com o Congresso e não peitou a suspensão da abertura da adesão das empresas aos dois programas. Os descontos generosos a esses devedores haviam sido vetados pelo presidente, que acabou negociando depois a derrubada desses vetos pelo Congresso como um aceno à base aliada.

Após representa­ção do Ministério Público na Corte de contas, o ministro do TCU Vital do Rêgo emitiu um alerta ao governo para o risco de descumprim­ento da LRF. Ele exigiu informaçõe­s sobre os riscos dos programas de parcelamen­to para as contas públicas.

O alerta é visto como um divisor de águas. Daqui para frente, o governo não poderá vacilar. Mas está cada mais claro que o artigo 14 precisa de regulament­ação para impedir que deputados e senadores continuem com essa prática. É urgente!

Governo não esconde o alívio que a aceleração da inflação deu ao teto de gastos

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