Síndrome de Peter Pan
Acontece toda semana. De passagem rápida pelo Brasil, um executivo graúdo de alguma multinacional, talvez inspirado pelo sol que cozinha seus miolos, desata a dar conselhos para que o Brasil saia da crise. A receita não muda muito. É preciso aprovar as reformas – assim, no plural, genericamente – e investir em projetos de infraestrutura. Combater a corrupção é fundamental. Ah, claro, também é imperativo gastar mais em educação, porque isso aumenta a produtividade. Feita a admoestação, o bacana empacota seus ternos e relatórios e parte para outra. Poderá falar o mesmo quando estiver na Malásia ou no Peru. Esta postura simplista e pretensiosa tem muito a ver com o ambiente autocrático que vigora no mundo corporativo. Nas empresas, há voz única de comando, metas claras e mecanismos “pavlovianos” que incentivam todos a salivarem na hora certa. Quem não joga o jogo está fora. Quem tem bons resultados ganha uma recompensa. Não há oposição, não há contraditório, não há debate, não há direito à discordância. As recomendações são simplórias porque vêm de pessoas habituadas a um mundo mais simples.
A tentação é falar como se estivesse diante de um jovem inexperiente e recomendar platitudes com ares de sabichão. Não que o Brasil não seja um jovem rebelde. Em vários aspectos, o País guarda notáveis semelhanças com Peter Pan. Na obra original de James Barrie, que é mais sombria que a versão edulcorada da Disney, além de se recusar a ficar adulto, o jovem Peter tem uma memória curta, é violento, gosta de confusão, tem baixa escolaridade (na verdade, é analfabeto), gosta de brincar de faz de conta e voa apenas quando tem bons pensamentos. O recurso de esquecer sempre das coisas serve para garantir que o tempo não passe e a fase adulta nunca chegue. Nós aqui nos trópicos também temos dificuldade em amadurecer. O País reluta em ficar adulto. Alternamos períodos em que andamos em ziguezague com fases em que andamos para trás. Mas é assim mesmo, se quisermos preservar a democracia que tão caro nos custou.
O debate econômico desta campanha presidencial tem tudo para ser pobre. Os temas críticos são impopulares e os eleitores sinalizam que preferem quem contorne sinuosamente os assuntos delicados. Querem um Estado forte, protagonista. Esta percepção não está em sintonia com a necessidade urgente de promover um ajuste fiscal. Estivéssemos em um regime autocrático, não seria tão difícil encaminhar soluções para problemas complexos. O exemplo de Cingapura é sempre lembrado por quem prefere alternativas tecnocráticas. O país forjado por Lee Kuan Yew, que o governou por três décadas, alcançou resultados econômicos notáveis. Entre 1962 e 2016, a renda média do país, em dólares correntes, aumentou nada menos que 106 vezes, colocando o pequeno país asiático entre os mais ricos do mundo. A renda média de Cingapura (US$ 51,9 mil por ano) é 22% maior que a do Reino Unido e 487% maior que a brasileira. O problema do modelo de Cingapura é
Qualquer solução autoritária e tecnocrática será apenas mais um problema
que ele funcionou em condições extremamente especiais, impossíveis de serem replicadas. Além disso, o crescimento econômico exuberante foi acompanhado pela supressão de liberdades civis. Só um CEO poderia achar que vale a pena reprimir direitos em troca de crescimento econômico.
Nosso caminho é outro, nossa escolha já está feita. A democracia é um fim em si mesma, não precisa ser funcional. Qualquer solução autoritária e tecnocrática será apenas mais um problema. O futuro poderá demorar mais para chegar aqui, mas só o livre embate das ideias – incluindo, por suposto, as ideias que consideramos erradas – poderá assegurar que não estamos na “Terra do Nunca”.