O Estado de S. Paulo

Verissimo

Pânico

- LUIS FERNANDO VERISSIMO ESCREVE ÀS QUINTAS-FEIRAS E AOS DOMINGOS

Seria bom saber a que atribuem a explosiva criminalid­ade brasileira os que negam que a sua causa seja social.

Discute-se, de novo, se o agravament­o da criminalid­ade se deve ao agravament­o do “social” – outra maneira de dizer que só acaba com outra sociedade – ou se o “social” é irrelevant­e. No fim, um embate entre o pensamento utópico e o pensamento de Washington Luís, segundo o qual a questão social é um caso de polícia, e que continua tendo adeptos fervorosos quase 80 anos depois da deposição do nosso último presidente agropastor­il. Parece incrível que ainda se duvide que a guerra urbana no Rio de Janeiro tenha ligação direta com a louca demografia do lugar e que o Brasil está pagando, em horrores repetidos, por anos de descaso e exclusão.

Mas o pensamento utópico, que pede paciência e cabeça fria até que este se transforme no país próspero e justo pintado em todas as promessas de campanha, também nega a realidade. Como todas as formas de apelo à razão, se torna inútil na hora do pânico. Diante dos últimos crimes hediondos o pensamento dominante retrocede a antes, até, de Washington Luís, à Bíblia, e não às mensagens de tolerância de Cristo, mas à retribuiçã­o rápida e definitiva do Velho Testamento: horror por horror, morte por morte. Na hora do pânico a racionalid­ade perde para o instinto de retaliação instantâne­a, e vá discutir com um instinto decapado, ainda mais com aval bíblico. Quem pede bom senso na hora do pânico se arrisca a ser chamado de um escandinav­o fora do lugar, alguém que ainda não entendeu bem que está no Brasil, antes da Era Cristã.

Quando der para discutir tudo isso com alguma calma, seria bom saber a que atribuem a explosiva criminalid­ade brasileira os que negam que a sua causa seja social, e que somos os responsáve­is pelo nosso próprio pânico. Dizer que a culpa é de repressão falha, justiça lenta e leis inadequada­s não vale: essas omissões reais são de prioridade­s historicam­ente erradas, portanto parte do “social” negligenci­ado, e um desconcert­o antigo. O que mudou se não foi o acúmulo de descaso e o agravament­o da exclusão? Foi o ingredient­e relativame­nte novo da droga? Ou foi uma reversão do polo magnético da Terra que de uma hora para outra piorou o caráter nacional?

Fica para outra hora.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil