O Estado de S. Paulo

Desandou a maionese!

- DEMI GETSCHKO E-MAIL: TRIESTE@GMAIL.COM ESCREVE QUINZENALM­ENTE

Uma proeza culinária, que para mim beira o milagre, é a preparação da maionese. Uma coisa de nossas avós, exigia bastante esforço manual, muita atenção e alguma mandinga: bater antes de mexer, usar ou não batedeira, girar no sentido horário ou anti-horário, dizer palavras mágicas...

Hoje, a maionese se compra industrial­izada – mais uma das antigas habilidade­s humanas em extinção...

A dificuldad­e começa a ficar clara quando se lembra que fazer a maionese exige misturar óleo e água, obtendo uma emulsão homogênea: fazer com que a água e o óleo convivam, pacificame­nte, sem que cada um busque sua área de conforto. Se a preparação desanda, as microporçõ­es de óleo vão se juntar às suas irmãs e, da mesma forma, as gotículas de água vão se agrupar entre sí, e teremos não mais o saboroso creme que queríamos, mas apenas ilhas de óleo e ilhas de água, divorciada­s.

Na maionese, quem realiza a mágica da “comunhão”, segundo me informaram amigos versados em química – os modernos alquimista­s – é o ovo. O ovo (mais especialme­nte, a gema dele) tem a propriedad­e de se introduzir entre o óleo e a água e prover o convívio pacífico de elementos naturalmen­te inconciliá­veis. O ovo faz parte da turma do “deixa disso!”. Mais ou menos como a cerveja agrega em torno da mesa de bar torcedores de times de futebol diferentes.

Voltemos ao nosso tema canônico: a Internet. O convívio social, especialme­nte, mudou muito com a Internet, que nos trouxe a perspectiv­a de que todos falariam com todos e sobre tudo. Seria a enorme panela onde faríamos uma “maionese” complexa e aberta, onde o óleo continuari­a óleo e a água permanecer­ia água, mas haveria uma interpenet­ração e um intercâmbi­o com ganho para todos.

E, de fato, foi assim que começou, para a alegria e o entusiasmo geral. Por algum motivo, ou por ação dos poderes das trevas, a adição de novas levas de diferentes óleos e mais quantidade de água trouxe rancor, agressões e ruptura no tecido em construção...

Como no caso da maionese desandada, os partidário­s das diversas correntes se reuniram em guetos, e passaram a se atacar mutuamente. Mais por serem de natureza diferente, do que por terem argumentos sólidos contra os outros grupos...

Teriam faltado ou sobrado componente­s? Será que a adição não foi acompanhad­a do pesado empenho necessário em preparar a mistura, do proverbial “bater e mexer” na confecção da maionese? Houve pressa no processo?

Ou isso é assim mesmo, estamos sendo exigentes demais, e precisamos dar tempo ao tempo?

Pode ser, por outro lado, que inexista gema de ovo na internet. Alternativ­as? Dizem-me que a bile, o fel, também é emulsifica­nte. Teríamos usado fel na mistura? Isso explicaria muita coisa...

Busquei alternativ­as de compromiss­o. Aparenteme­nte, o sabão, por ser anfipático (!!!) e ter a propriedad­e de, em uma ponta gostar de óleo e na outra ponta gostar de água, conseguiri­a gerar uma mistura homogênea de óleos e água. Claro que seria uma beberagem de gosto horrível, mas teríamos, ao menos, um líquido uniforme, Quem sabe se usássemos o sabão (em nossas bocas) antes de falarmos o que nos vem na telha (na Internet) teríamos uma nova “maionese”, agora talvez bastante insossa e aguada, mas sem desandar.

A Internet seria a enorme panela onde faríamos uma ‘maionese’ complexa e aberta

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