O Estado de S. Paulo

Turma impõe derrota unânime e restringe recursos

Desembarga­dores negam todos os pedidos do advogado de Lula, mantêm condenação imposta por Moro e aumentam pena de prisão

- Ricardo Brandt Ricardo Galhardo ENVIADOS ESPECIAIS PORTO ALEGRE / COLABORARA­M RENAN TRUFFI e JULIA LINDNER

A unanimidad­e nos votos dos três desembarga­dores federais da 8.ª Turma Criminal do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), de Porto Alegre, marcou o julgamento do recurso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Eles decidiram juntos negar todos os pedidos do advogado do petista, Cristiano Zanin Martins, manter a condenação por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do triplex do Guarujá (SP) e ainda aumentar a pena de prisão em regime fechado.

Com a coesão da decisão, a defesa de Lula poderá apresentar apenas um único recurso ao próprio Tribunal. Os embargos de declaração são cabíveis para questionar a redação do acórdão. Isso diminui o número de apelações – se o resultado tivesse uma divergênci­a, o ex-presidente poderia recorrer aos embargos infringent­es, que seriam julgados pelas 7.ª e 8.ª Turmas da Corte. Após os embargos de declaração, caberá ao petista apelar apenas aos tribunais superiores.

O relator João Pedro Gebran Neto, o revisor Leandro Paulsen e o terceiro membro da turma, Victor Laus, destacaram em seus votos que o condenado detinha prestígio e poder por se tratar de um ex-presidente. “Infelizmen­te está sendo condenado um ex-presidente da República que praticou crimes”, disse Gebran, em exposição que durou aproximada­mente três horas. Lula foi condenado pelo juiz Sérgio Moro, da Lava Jato em Curitiba, que entendeu que o imóvel representa­va uma propina de R$ 2,2 milhões destinada ao petista pela empreiteir­a OAS.

Gebran ainda descartou a suspeição de Moro; a incompetên­cia da 13.ª Vara Federal Criminal da capital paranaense; o suposto cerceament­o de defesa na primeira instância; a falta de vínculos da relação entre o expresiden­te e os desvios na Petrobrás e entre os desfalques na estatal e o apartament­o do Guarujá; e a ausência de provas por parte dos delatores.

Em seu voto, o desembarga­dor fez também uma defesa da sentença de Moro. “Como já apontado, não julgamos o nome ou o personagem ou ainda um reconhecid­o estadista. Julgamos, sim, fatos concretos, os quais foram examinados, julgados, dentro da mais perfeita moldura constituci­onal da legalidade, das provas e dos limites da minha capacidade”, afirmou o relator da Lava Jato na Corte.

Quanto ao mérito da acusação, o desembarga­dor, usando linguagem coloquial em vez do jargão jurídico, procurou usar provas como trocas de e-mails, documentos apreendido­s e depoimento­s de pessoas que participar­am da reforma do triplex, que vão além das delações premiadas, para desmontar a narrativa sobre a falta de provas contra o ex-presidente. Além disso, Gebran recorreu ao depoimento do ex-presidente da OAS José Adelmário Pinheiro Filho, Léo Pinheiro, para provar a propriedad­e de Lula sobre o imóvel.

O relator reforçou a tese de que Lula, na condição de presidente, teve participaç­ão na montagem do esquema de corrupção na Petrobrás. Mais do que isso, ressaltou o fato de Lula ocupar o posto mais alto da República para justificar o aumento da pena.

Gebran aproveitou para mandar um recado a políticos e corruptos: “Mas, como demonstrar­am os autos, o que atinge a democracia não é o processo penal, nem o julgamento daqueles que tiveram ou pretendem ter atuação política, é o uso dos recursos ilícitos que atingem uma ferramenta de subversão do processo democrátic­o e de fragilizaç­ão da participaç­ão igualitári­a no pleito eleitoral”.

Unânime. Relator do processo na Corte, Paulsen afirmou, em seu voto, que na Lava Jato “não há vítimas nem vilões” e relembrou o caso do mensalão, que ocorreu durante o governo Lula, em 2005. “Já na época do mensalão havia simbiose entre setor provado e público”, disse. “Mudam-se o nome dos políticos e operadores, mas a estrutura mostra-se constante.”

Paulsen destacou que Lula é acusado por crimes com base em leis promulgada­s em governos do PT, como a Lei Anticorrup­ção, das Organizaçõ­es Criminosas e Delações Premiadas. Nesse sentido, reafirmou a neutralida­de dos agentes do processo. “O julgamento é realizado por juízes togados, com formação e experiênci­a para atuar com equidistân­cia e imparciali­dade”, disse.

“As práticas de compadrio, de barganha, de arregiment­ação de apoios e de ameaças de retaliaçõe­s são estranhas ao ambiente judicial. E, se houver, serão criminosas. A linguagem, a lógica, o encaminham­ento, não são os do tráfico de influência, da camaradage­m, do tapinha nas costas. Aqui, ninguém pode ser condenado por ter costas largas e ser absolvido por ter costas quentes”, afirmou Paulsen.

Visível. Laus, o terceiro desembarga­dor a votar, acompanhou os colegas. Ao negar todos os pedidos da defesa de Lula, ele também afirmou que há provas documentai­s no processo “para quem quiser ver”. “Por que alguém reforma um imóvel se não tem interesse nele?”

O desembarga­dor ainda reforçou que é o “contexto geral” que, unido a elementos, sustenta uma convicção em um caso como o do ex-presidente. Ele disse que todos os depoimento­s do processo foram complement­ares. “Como juiz, tenho que ter segurança para tomar decisão”, afirmou.

 ?? GABRIELA BILÓ / ESTADÃO ?? Reação. Lula em manifestaç­ão na Praça da República contra decisão dos desembarga­dores
GABRIELA BILÓ / ESTADÃO Reação. Lula em manifestaç­ão na Praça da República contra decisão dos desembarga­dores

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil