O Estado de S. Paulo

FOGO, AGONIA E FULIGEM NA CHAPADA

Área afetada chegou a 62 mil hectares, 25,8% do parque; combate prioriza proteção a casas

- André Borges ENVIADO ESPECIAL ALTO PARAÍSO (GO)

APolícia Federal vai apurar as causas do incêndio que já destruiu 25% do Parque da Chapada dos Veadeiros. Na entrada da reserva, cheiro de mato queimado se mistura à fuligem que dificulta a respiração, informa André Borges. Moradores relatam agonia de tentar controlar o fogo e desespero de araras-azuis com as chamas perto dos ninhos.

Um cheiro de mato queimado se espalha pelas ruas de terra da pequena Vila de São Jorge, reduto ambiental e porta de entrada do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, em Goiás. A fuligem da mata – que desde o dia 17 tem sido engolida pelo fogo – dificulta a respiração. À noite, os moradores têm espalhado toalhas molhadas pela casa para aliviar a situação.

A cinco quilômetro­s da vila, o Vale da Lua, conhecido pelas formações rochosas criadas pelo Rio São Miguel, foi tomado pelas chamas. “Só sobrou pedra e a água do rio”, conta José Francisco da Silva Pereira, o Zezinho, responsáve­l por cuidar do local. “Levantamos desesperad­os pra tentar controlar o fogo, mas não deu tempo de fazer muita coisa.”

Tem sido assim há mais de uma semana, quando um dos principais patrimônio­s do Cerrado passou a ser destruído pelo fogo, no pior incêndio de que se tem notícia na região. Queimadas já atingiram mais de 62 mil hectares do parque (25,8% da área total), que em junho foi ampliado de 65 mil para 240 mil hectares e recebe cerca de 60 mil visitantes por ano.

Por onde se anda na região, se veem nuvens de fumaça. O pequeno aeroporto de Alto Paraíso, município conhecido por sua vocação para supostos pousos de óvnis, foi transforma­do em centro de gerenciame­nto das queimadas. Um sobe e desce constante de aviões e helicópter­os desloca água, moradores, parafernál­ias contra incêndio e brigadista­s.

O alvo das operações tem sido as regiões mais sensíveis, onde há moradores por perto. Nas contas dos agentes do Instituto Chico Mendes de Biodiversi­dade (ICMBio), responsáve­l pela gestão do parque, cerca de 80% da área original do parque, aquela que ele tinha até junho, antes da ampliação, foi dragada pelo fogo. As trilhas do parque também foram atingidas. O local está fechado, sem data para reabrir. O aumento da área aten- deu a uma demanda de ambientali­stas e cientistas.

“Para nós, isso é uma tragédia não só ambiental, mas também de nosso meio de vida. O turis- mo já fugiu daqui. Algumas pessoas cancelaram reservas”, diz Leonilton Francisco Ferreira, gerente da pousada Trilha Violeta, em São Jorge. “Se Deus quiser, a chuva virá e vai amenizar esse drama.”

Fauna. Não há estimativa­s precisas sobre a mortandade de animais e aves na área afetada pelas chamas. Mas nada calou mais fundo a população do entorno que os cantos desesperad­os de milhares de araras azuis, ao verem as chamas se aproximare­m de seus filhotes e ninhos.

“As araras voavam doidas, desesperad­as, e faziam um barulho muito alto”, diz Leonilton. “Triste demais. É uma dessas coisas que a gente nunca vai esquecer na vida.” A região abriga ao menos 34 espécies da fauna e 17 da flora ameaçadas de extinção. Ali, também vivem o pato-mergulhão, a onça-pintada e o lobo-guará.

Há uma semana à frente de uma das brigadas que enfrentam o avanço do fogo, Valdeci Ceravalo afirma que boa parte das chamas já está controlada no parque, mas é preciso permanecer atento às cinzas. Isso porque muitas chamas têm ressurgido da terra, após avançarem pelas raízes, chão adentro.

Ao ver as equipes de combate ao fogo correrem até o helicópter­o para acessar um novo foco de incêndio nas imediações, o agricultor orgânico Zizo Simion não resiste e bate palmas. Dos seus quase dois metros de altura, chora feito menino, em meio à poeira que sobe. “Parabéns! Vocês são guerreiros”, grita ele, sem ser ouvido.

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FOTOS ANDRE BORGES/ESTADÃO Fumaça. Chamas atingiram 80% do perímetro antigo do parque, que teve a área ampliada em junho deste ano; acessos ao parque estão fechados
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Expectativ­a. Fim do fogo depende de chuvas, diz diretor

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