Direito fundamental
Assegurar a disponibilidade e a gestão consciente da água e do saneamento para toda população até 2030 está entre os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU
Oacesso à água de qualidade e à higiene está entre os direitos mais fundamentais do ser humano. Mesmo assim, milhões de pessoas em todo o mundo ainda vivem sem água potável ou tratamento de esgoto. Apoiar e fortalecer a participação de comunidades, empresas e governo é fundamental para mudar tal cenário. Esse foi foco do debate entre Édison Carlos, presidente executivo do Instituto Trata Brasil (ITB), e Mario Pino, gerente de desenvolvimento sustentável da Braskem, na quarta edição do programa Pensando o Futuro, da rádio Eldorado.
Para quem mora na região Sudeste, principalmente no Estado de São Paulo, a primeira lembrança de qualquer discussão relacionada à água se volta para a pior crise hídrica na região, ocorrida entre 2014 e 2016. Alguns especialistas defendem que a crise não foi causada somente pela escassez de chuvas, mas sim por falta de planejamento ao longo dos anos para o abastecimento das áreas afetadas. “Temos centenas de rios e córregos em São Paulo que foram canalizados em prol do crescimento da cidade. Mas nos esquecemos deles lentamente e com isso a maioria acabou se transformando em condutores de esgoto. Isso faz pensar que a água estava ali durante a seca, mas simplesmente não tinha qualidade e tratamento suficientes para ser fornecida à população”, pondera Carlos, que no ITB trabalha os avanços do saneamento básico e da proteção dos recursos hídricos do País.
Mario Pino acredita que hoje existe um grande desequilíbrio entre a ofer- ta e a demanda de água, pois nossas bacias hidrográficas têm cada vez menos capacidade de suprir os usuários – sejam eles do setor agrícola, sejam do setor industrial ou para o consumo humano. De acordo com os cenários climáticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), para 2040, o aumento da população vai demandar 50% mais água para alimentos, 40% mais para a geração de energia e 30% mais para o consumo humano. “Não estamos questionando ou discutindo se vai ocorrer uma nova crise hídrica, mas quando será a próxima”, explica.
Questão de tempo
Em um cenário onde a crise já é certa, qual o caminho? Para Édison Carlos, várias soluções podem ser implantadas. Entre elas, as tecnologias alternativas para o reúso da água, recurso pouco utilizado em São Paulo e no Brasil como um todo. Gestores e especialistas das regiões mais secas do mundo, como Califórnia, Israel, Austrália e partes da Europa, são unânimes em dizer que precisamos usar melhor a água que temos – principalmente aquela que sai das estações de tratamento de esgoto – para que possa ser reutilizada. “Com as chuvas, esquecemos dessa pauta novamente, mas temos que retomá-la o quanto antes e evitar as perdas desnecessárias. Entre elas os vazamentos e furtos de água que são combatidos de forma muito lenta no Brasil.” Segundo o presidente executivo do ITB, em São Paulo essas perdas de água potável chegam a 30%, mas em algumas lo- calidades do Brasil a quantidade pode chegar a 50% ou 60%. “Imagine se conseguíssemos reduzir isso pela metade, quanta água não sobraria”, avalia.
Segundo Pino, pela complexidade e abrangência da vulnerabilidade de uma bacia hidrográfica, é preciso envolver setor privado, governo e sociedade na busca pela solução. Hoje, o consumo de água por habitante em São Paulo chega a 188 litros. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estabelece 110 litros como o mínimo necessário. “A sociedade sempre vai ser convocada a participar e dar sua contribuição. No setor industrial, quando falamos da bacia do Piracicaba, Capivari, Jundiai (PCJ), o que se perde de água por ano no sistema de distribuição equivale ao consumo de 60% do setor industrial. Sem contara agricultura, queéa maior demandante de água doce e continua fora dessas discussões.”
Carlos lembra que metade da população do País ainda não tem acesso à coleta de esgoto, infraestrutura mais elementar de uma cidade, sendo que o destino da água suja são os rios, os reservatórios, as praias .“Aí você começa a entender de onde vem essa poluição que vemos. Precisamos avançar muito rápido nessa questão, pois isso volta para o cidadão na forma de doenças, se tornando também um problema para as próximas gerações”, completa.
Menos perda, mais água
Com os longos períodos de seca que têm se tornando mais frequentes em todas as regiões do País, o controle de perdas tornou-se um tema ainda mais urgente. Assim, para incentivar ações concretas em prol da redução dos desperdícios no sistema de distribuição, o “Movimento Menos Perda, Mais Água” chega estruturado em quatro linhas de atuação: políticas públicas, consciência e engajamento, avaliação de indicadores e soluções (tecnologia, capacitação e acesso a financiamento).
Iniciativa da Rede Brasil do Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU), liderada pela Braskem e pela Sociedade de Abastecimento de Água e Saneamento de Campinas (Sanasa), o movimento busca o comprometimento dos agentes públicos para melhorar a gestão de água e o sistema de distribuição urbana no País. Segundo Mario Pino, a expectativa é tratar preferencialmente as bacias mais vulneráveis no contexto do cenário de escassez hídrica do modelo climático do INPE. “No Brasil perdemos anualmente cerca de 37% de toda a água tratada, o que resulta em um prejuízo de R$ 8 bilhões aos cofres públicos. Por isso essa questão exige o envolvimento e a contribuição de todos”, diz.
“Não podemos ficar dentro de casa e achar que esse é um problema que alguém vai resolver por nós. Temos que tomar essa bandeira do saneamento e levar como uma prioridade da sociedade e como obrigação de nossos governos”, finaliza Carlos.
Serviço
O programa Pensando o Futuro vai ao ar quinzenalmente às 8h na Rádio Eldorado (FM 107.3) e também em vídeo pela página da rádio no Facebook (www.facebook.com/radioeldorado). A próxima edição acontece no dia 28 de outubro e abordará o tema “Soluções para uma vida mais sustentável”.
O consumo de água por habitante em São Paulo chega a 188 litros. A OMS estabelece 110 litros como o mínimo necessário