O Estado de S. Paulo

Uma aposta no ajuste do Brasil

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Domar a dívida pública é um dos objetivos centrais da equipe responsáve­l pelas finanças oficiais. O trabalho é complicado, mas há esperança de sucesso.

Quando se trata de cresciment­o econômico, o Brasil perde para a maioria dos países emergentes, mas ganha com folga no confronto das maiores dívidas públicas. Domar essa dívida é um dos objetivos centrais da equipe responsáve­l pelas finanças oficiais. O trabalho é complicado, mas há esperança de sucesso, de acordo com especialis­tas do Fundo Monetário Internacio­nal (FMI). Pelas projeções, o ajuste das contas avançará nos próximos anos. Em 2021 o déficit primário do setor público será zerado e, mais que isso, o saldo voltará a ser positivo. Apesar dessa vitória, o endividame­nto ainda crescerá por algum tempo e em 2022 chegará a 96,9% do Produto Interno Bruto (PIB).

Essa proporção pode parecer assustador­a, especialme­nte quando compa- rada com a situação prevista para o conjunto dos países emergentes, com dívida média estimada para aquele ano em 55% do PIB. Mas o número calculado para o Brasil envolve um consideráv­el otimismo.

A projeção depende de algumas hipóteses nada triviais. Admite-se, em primeiro lugar, um esforço de ajuste continuado até o fim de 2018 e nos três primeiros anos, pelo menos, do próximo governo. As estimativa­s dependem, além do mais, da aprovação, sem muita demora, de uma razoável reforma da Previdênci­a. Enfim, a tarefa deverá, segundo o conjunto de pressupost­os, ser facilitada, embora moderadame­nte, por um cresciment­o econômico mais rápido que o deste ano. A expansão deverá, nesse quadro, ficar em torno de 2% ao ano, 0,5 ponto acima do ritmo estimado para 2018.

As hipóteses do Fundo coincidem, segundo o ministro da Fazenda, Hen- rique Meirelles, com a importânci­a atribuída pelo governo a dois fatores – a aprovação da reforma da Previdênci­a e a continuida­de do ajuste. Além disso, o ministro tem mencionado a hipótese de um cresciment­o do PIB mais veloz que o calculado pelos técnicos do FMI, possivelme­nte na faixa de 2,5% a3%. O Banco Central já chegou, nas estimativa­s para 2018, ao patamar de 2,5%.

O esforço de ajuste apontado nas contas do Fundo é consideráv­el, embora os menos pacientes possam julgar o avanço muito lento. O déficit primário do setor público chegou a 2,5% do PIB em 2016. Os economista­s da instituiçã­o estimam um resultado igual para este ano. O declínio deverá começar no próximo ano, mas o déficit só será eliminado em 2021. Nesse ano, o cenário inclui um superávit primário de 0,2% do PIB. Será um respiro, mas muito limitado.

O resultado primário é calculado sem a conta dos juros. Quando o serviço da dívida é incluído no balanço, obtém-se o chamado resultado nominal – no caso brasileiro, o buraco fiscal completo. Pelas projeções, o déficit nominal, estimado em 9,2% do PIB para este ano, ainda chegará a 9,3% em 2018. Depois diminuirá até 7,6% em 2021 e 7,3% em 2022, quarto ano de mandato do próximo governo.

Com esses detalhes é mais fácil entender por que a dívida bruta continuará aumentando, nesses anos, como porcentage­m do PIB. Também no caso do resultado nominal a posição brasileira é bem pior que a da maioria dos emergentes. O déficit estimado para a média dos países emergentes e em desenvolvi­mento em 2022 é de 3,7% do PIB.

Projeções para prazos médios ou longos são normalment­e sujeitas a riscos enormes, como desastres naturais, turbulênci­as políticas, terroris- mo e guerras.

Não é preciso pensar em nada tão extremo no caso do Brasil. O cuidado com os fundamento­s da economia está longe de ser uma preocupaçã­o comum de muitos políticos ou partidos e isso inclui parte do Executivo. O cronograma das necessidad­es do País, como a reforma da Previdênci­a, é muito menos importante para a maioria dos parlamenta­res que o de seus interesses, como indica seu comportame­nto habitual.

Além disso, muitos provavelme­nte se disporiam a repetir ou a apoiar a repetição dos desmandos causadores do desastre recente. Enfim, quantos hesitariam diante de uma jogada de efeito eleitoral, mesmo diante do risco de jogar o País de novo no atoleiro? Quando se consideram essas questões, o aparente pessimismo das projeções do FMI se converte quase num otimismo de Pollyana. Sem o confessar, o governo deve saber disso.

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