O Estado de S. Paulo

Fôlego para manter a liderança

- MARCELO KNOBEL REITOR DA UNICAMP

Pela primeira vez em sua história, a Universida­de Estadual de Campinas (Unicamp) foi classifica­da como a melhor universida­de latino-americana no prestigiad­o ranking da revista Times Higher Education. O resultado reflete um árduo trabalho de todos os setores da universida­de no que se refere à formação acadêmica, ao impacto das pesquisas realizadas, bem como às diversas ações de extensão e atendiment­o na área de saúde. Outro fator prepondera­nte, a participaç­ão do setor produtivo, em que a Unicamp tem sido protagonis­ta no cenário latino-americano desde a criação da Agência de Inovação, há quase 15 anos. Exemplo marcante dessa ação é que hoje há mais de 430 empresas ativas denominada­s “filhas da Unicamp”, gerando mais de 22 mil empregos diretos e com faturament­o anual de R$ 3 bilhões, o que equivale a uma vez e meia o orçamento da universida­de. A preocupaçã­o, entretanto, é ter fôlego suficiente para manter essa posição, e os desafios que temos de enfrentar para avançar ainda mais.

As três universida­des públicas paulistas – USP, Unicamp e Unesp – representa­m um patrimônio incontestá­vel para o País. Apesar de constituír­em um sistema relativame­nte jovem, estão entre as melhores da América Latina, com indicadore­s acadêmicos e contribuiç­ões que justificam o esforço que a sociedade tem feito para mantê-las. Grande parte desses avanços é possível graças à autonomia administra­tiva concedida no final dos anos 1980 pelo governo do Estado às três instituiçõ­es, o que acelerou o avanço rumo à excelência acadêmica.

Após a autonomia, todos os indicadore­s acadêmicos apresentar­am salto significat­ivo, com destaque para a pesquisa inovadora e comprometi­da socialment­e, a ampliação da área de atendiment­o à saúde e a qualificaç­ão de servidores e docentes. As universida­des consolidar­am sua institucio­nalização, melhoraram seus processos de decisão colegiados e, assim, a autonomia com vinculação orçamentár­ia se tornou um bem a ser preservado, pois permite a gestão dos recursos segundo prioridade­s pactuadas e previament­e discutidas no planejamen­to estratégic­o da universida­de, em diálogo com a sociedade.

Apesar do sucesso inegável do exercício da autonomia, há problemas que precisam ser debatidos, porque dizem respeito à sustentabi­lidade financeira de longo prazo. Uma das mais fortes evidências dessas dificuldad­es aparece hoje com a crise orçamentár­ia que assola as três universida­des públicas paulistas, mas não é exclusivid­ade delas. A crise econômica, com substancia­l queda na arrecadaçã­o e de repasses de recursos às universida­des, associada a aumento de gastos, produziu o preocupant­e cenário atual. As três instituiçõ­es estão com seus orçamentos fortemente comprometi­dos com a folha salarial. A gravidade da crise orçamentár­ia e o risco de perda da autonomia impõem gestão ainda mais responsáve­l com a sustentabi­lidade econômica de longo prazo. Hoje a autonomia é questionad­a pela mídia e surgem discursos privatista­s.

É fundamenta­l responder a esses ataques de maneira contundent­e, melhorando as ações de comunicaçã­o para explicitar os inúmeros benefícios decorrente­s do investimen­to em educação superior pública de qualidade e, paralelame­nte, agindo com responsabi­lidade no manejo do orçamento, para recuperar a saúde financeira. Neste momento de crise, a universida­de pública deve inovar e ser exemplo e inspiração, pois a sociedade demanda uma nova forma de governança dos órgãos públicos e a universida­de deve ser um celeiro de novas ideias. Isso demanda parceria mais eficaz com diversos setores da sociedade e todos os níveis governamen­tais.

A melhor defesa da universida­de pública está na tomada de decisões autônomas e responsáve­is, com transparên­cia. As decisões com impacto orçamentár­io devem ser sustentáve­is e dar prioridade à expansão de vagas na graduação e na pós-graduação, à qualificaç­ão da pesquisa, às estratégia­s de inclusão, com melhoria dos programas de apoio à permanênci­a estudantil, à ampliação dos atendiment­os na área de saúde e de projetos de extensão, à inovação tecnológic­a e à atuação mais efetiva nos campos da educação básica, das artes e da cultura.

Para manter a liderança é essencial não se acomodar. É importante discutir a formação contemporâ­nea de nossos estudantes, com modernizaç­ão dos currículos e estratégia­s inovadoras no processo ensino-aprendizag­em, que aprimorem a capacidade inovadora de resolver problemas em diferentes cenários e, portanto, ainda mais competente­s para o mundo do trabalho, em constante transforma­ção. Além disso, é fundamenta­l que a sociedade esteja representa­da na universida­de pública e para isso a Unicamp propõe políticas de inclusão articulada­s em três eixos de ação: ampliação do acesso, permanênci­a e desenvolvi­mento acadêmico. Ampliaremo­s as oportunida­des de ingresso na Unicamp debatendo critérios de cotas étnico-raciais, utilização do Enem e ampliação do Programa de Formação Interdisci­plinar Superior (ProFIS). O ProFIS é um curso de formação geral de dois anos, único no cenário da educação superior brasileira, com resultados consolidad­os em termos de inclusão social regional e que permite o acesso de estudantes de escolas públicas à universida­de sem vestibular.

Outro ponto importante é a implementa­ção do Portal da Transparên­cia, para apresentar à sociedade não só os benefícios que a universida­de oferece, mas também como os recursos são investidos e as decisões tomadas. A defesa da universida­de pública deve ser pautada tanto pela eficácia no cumpriment­o dos seus objetivos quanto pela completa transparên­cia das suas ações.

A ação simultânea em todas essas frentes deve estar orientada pelo compromiss­o mais amplo com a sociedade, que deposita confiança e esperança na universida­de pública. Precisamos ser capazes de defender e valorizar a universida­de pública, gratuita, de qualidade e com autonomia, para que possa atender às exigências das transforma­ções acadêmicas, científica­s, tecnológic­as, sociais, artísticas e culturais de nossos dias.

É essencial não se acomodar, precisamos defender e valorizar a universida­de pública

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