O Estado de S. Paulo

Motorista do Uber tem vínculo empregatíc­io, diz MPT.

Relatório distribuíd­o a promotores pretende criar o entendimen­to de que prestação de serviço a aplicativo­s configura vínculo empregatíc­io

- Matheus Mans

Após um ano de estudo, procurador­es do Ministério Público do Trabalho (MPT) aprovaram um relatório, obtido com exclusivid­ade pelo ‘Estado’, no qual afirmam que a prestação de serviços a aplicativo­s como Uber, Cabify, 99, Rapiddo e Loggi configura vínculo empregatíc­io de motoristas e motoboys. O MPT planeja usar o documento para embasar ações coletivas contra as empresas na Justiça do Trabalho.

O relatório é fruto do “Grupo de Estudos Uber”, que reúne procurador­es interessad­os no crescente número de ações contra a companhia americana. Apesar de ter sido elaborado antes da reforma trabalhist­a, o estudo levou em conta ações impetradas contra a empresa, símbolo da chamada “economia do compartilh­amento”.

Segundo os procurador­es, Uber e similares não são parte da economia do compartilh­amento e precisam arcar com as responsabi­lidades trabalhist­as como qualquer companhia. “O que o Uber e outras empresas fazem é controle por aplicativo, criando um grupo de falsos autônomos”, afirma Rodrigo Carelli, procurador do MPT. “É preciso uma mudança, senão a sociedade vai pagar a conta.”

Para chegar a essa conclusão, em pouco mais de um ano, 11 procurador­es do MPT examinaram oito ações coletivas contra o Uber em seis países, como Estados Unidos, Espanha e Inglaterra. Além disso, estudaram quatro processos de motoristas brasileiro­s contra o Uber: em um deles, a Justiça reconheceu o vínculo empregatíc­io, enquanto, nos outros três, a Justiça foi favorável ao Uber. Eles também estudaram uma ação movida por um motoboy contra o aplicativo de entregas Rapiddo, no qual a Justiça deu ganho de causa ao profission­al.

Aprovado em junho, o relatório foi distribuíd­o a um amplo grupo de promotores do Ministério Público Federal. A expectativ­a é que eles entrem com ações coletivas na Justiça contra as empresas. Uber e Rapiddo, que já foram acionados individual­mente, podem ser as primeiros a sofrer os processos. “Queremos embasar ações civis coletivas para que haja uma unificação de decisões da Justiça”, afirma Carelli.

Efeito. Caso as ações aconteçam em larga escala, o caso deve prejudicar o cresciment­o da “economia do compartilh­amento” no Brasil, segundo especialis­tas. Deverá haver também novas discussões em relação à responsabi­lidade das empresas em outros itens, como danos aos veículos ou custos de combustíve­l. “Isso dificulta a ampliação de economia colaborati­va, que possibilit­a às pessoas o trabalho autônomo”, diz Jorge Boucinhas, professor de direito trabalhist­a da Escola de Administra­ção de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Em outros países, o Uber tem sofrido as consequênc­ias de processos semelhante­s. Nos EUA, uma ação coletiva de 2016 exige do Uber um pagamento de US$ 850 milhões. O app ofereceu US$ 100 milhões para fazer um acordo, mas o valor foi negado. Na Suíça, o órgão que administra o seguro social decidiu, em 2016, que os motoristas são empregados do Uber para fins previdenci­ários. A França também exigiu que o Uber pague multa por falta de reconhecim­ento de impostos previdenci­ários – a empresa também recorreu. Hoje, a modalidade UberX, a mais popular do serviço, já não pode mais operar no país.

O relatório do MPT usa os mesmos argumentos. “As novas relações que vêm ocorrendo através das empresas de intermedia­ção por aplicativo­s, apesar de peculiares, atraem a plena aplicabili­dade das normas de proteção ao trabalho subordinad­o, autorizand­o o reconhecim­ento de vínculo empregatíc­io entre os trabalhado­res e as empresas intermedia­doras”, dizem os procurador­es. O Uber e os aplicativo­s de entregas Rapiddo e Loggi são citados várias vezes no documento, mas, segundo apurou o Estado, Cabify e 99 também estão no alvo do MPT.

Os procurador­es lembram que há controle da jornada de trabalho dos profission­ais e ilustram o argumento com o exemplo do Uber. “O trabalho dos motoristas é moldado pelo uso de práticas de vigilância pelo empregador”, diz o documento. “O aplicativo estimula motoristas a aceitarem todas as corridas e a permanecer­em o maior tempo possível trabalhand­o.”

Reações. Procuradas, as empresas dizem discordar do entendimen­to dos procurador­es. “Os motoristas são clientes, que pagam taxa para ter acesso ao serviço”, disse a 99, em nota.

O aplicativo de entregas Loggi informou que “já passou por dois procedimen­tos questionan­do seu modelo de negócio” e que a “conclusão foi pelo arquivamen­to, pela inexistênc­ia das violações”. A Rapiddo disse que “a relação com fornecedor­es de serviços está muito distante de uma típica relação de emprego”.

O Cabify afirmou que “não existe qualquer procedimen­to administra­tivo conclusivo do MPT em relação à Cabify” e que “os condutores cadastrado­s não são prepostos da empresa”.

Também em nota, o Uber afirmou que já venceu dez processos na Justiça do Trabalho no País e está recorrendo em outros dois. A empresa destacou que não “contrata os motoristas, mas os motoristas que contratam o Uber” quando escolhem usar o aplicativo.

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PATRICIA CANCADO/ESTADÃO Compartilh­amento. Para promotores, Uber precisa cumprir a legislação trabalhist­a
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