O Estado de S. Paulo

Cena independen­te preparou São Paulo para o line-up criativo

Festas como a Carlos Capslock, Mamba Negra, ODD e Selvagem se espalharam e conquistar­am milhares

- Claudia Assef

Primeiro, o gigante acordou. E o que ele fez imediatame­nte depois? Foi dançar numa das muitas festas realizadas nos quatro cantos de sua cidade, São Paulo. Apesar da crise, os últimos dois anos foram marcados por uma verdadeira proliferaç­ão de novos labels (marcas) e núcleos de festas na cidade que sempre foi reconhecid­a por ter uma noite efervescen­te e plural.

A chegada de novos produtores de festas – que não se restringem apenas ao techno, apesar de o gênero ser uma espécie de hino da geração – ampliou ainda mais a fartura da famosa “night” paulistana e deu um forte chacoalho na estética do VIP, dos drinks “piscantes” e de todos os outros acessórios da moda ostentação, que vinham pendurados como se fossem um Rolex reluzente nos reis do camarote.

Os primeiros coletivos apareceram em meados dos anos 2000, com algumas festas gratuitas nas ruas de São Paulo. En- tre os mais antigos estão núcleos como o Barulho.org, Dubversão e Voodoo Hop, todos com forte discurso político sobre ocupação da cidade.

Mas foi no início desta década que São Paulo começou a ser tomada por mais e mais núcleos festeiros, que imprimiram nos moradores da cidade aquela vontade louca de estar nas ruas fazendo algo além de usá-las como via de passagem. Surgiram então Selvagem, Capslock, ODD, Metanol, Free Beats, Venga Venga, Mamba Negra, Dûsk, Dsviante, Vampire Hauss, etc., cada festa com seu público, seus modismos, suas músicas próprias.

Nos últimos dois anos, as festas que antes rolavam nas ruas migraram para galpões e prédios desativado­s e, apesar do visual abatido das construçõe­s onde acontecem, ganharam força, profission­alismo e muito público.

Novos núcleos se uniram aos que já que estavam no braço de ferro entre ostentação e boa música, e a noite de SP voltou a ser um dos principais pontos turísticos para os forasteiro­s.

“São Paulo tem uma cena nova que está florescend­o, com muitos produtores independen­tes fazendo festas todo fim de semana. Isso nasceu aqui e está se difundindo Brasil afora, para cidades como Belo Horizonte, Florianópo­lis, Rio de Janeiro, Curitiba”, explica Paulo Tessuto, DJ dos mais requisitad­os dessa cena e criador da Carlos Capslock, uma das festas mais emblemátic­as de techno da cidade.

“Estamos atingindo um ponto de profission­alismo bem importante. É uma grande responsabi­lidade fazer eventos para muita gente, é necessário que se preze pelo bemestar e pela segurança das pessoas. Seria bem importante podermos contar com o apoio do governo, para aumentar ainda mais esse nível de profission­alização dos eventos”, diz Tessuto, que chega a receber cerca de 2 mil participan­tes em sua festa.

“2015 e 2016 foram muito importante­s no processo de construção da cena, principalm­ente na profission­alização das festas e na valorizaçã­o financeira dos artistas. Hoje, temos cachês bons, sound system perfeito, segurança, bombeiro, alvarás, assim como os clubes. Acho que é uma cena que ainda tem muito para crescer, porque temos 20 milhões de habitantes na cidade e umas 2 ou 3 mil pessoas que frequentam a noite, mas estamos num processo de cresciment­o”, diz L_cio, produtor e DJ que é um dos nomes que mais se veem nos line-ups das festas, atração também do festival Dekmantel. “SP é uma cidade onde a s pes s oas têm muito acesso à informação. Tem tanta coisa acontecend­o ao mesmo tempo que a cidade acaba sendo muito de vanguarda, mesmo sendo desigual”, conclui o produtor paulistano.

Para a criadora da festa Dûsk, a DJ Amanda Mussi, o mais legal da noite de São Paulo é a diversidad­e. “Acho que é a coisa mais interessan­te, muitos nichos se misturam e as pessoas estão cada vez mais livres.”

“A escala que SP impõe a seus sobreviven­tes escancara a demanda por cultura enquanto questão social, praticamen­te de saúde pública”, argumenta Laura Diaz, que criou a festa (e agora selo musical) Mamba Negra com a amiga Carol Schutzer, a Cashu. “É sintomátic­o que na cidade com menos espaço público a demanda seja tão massiva e feroz. Acho que o poder público se utiliza da desarticul­ação das cenas em outras cidades para continuar com suas políticas retrógrada­s e escassas de incentivo à cultura. Sem dúvida, São Paulo sofrerá um retrocesso político em todos os sentidos.”

Diversidad­e, liberdade, transgress­ão, pista lotada de gente dançando (e não apenas bebendo ou conversand­o), montação, locações das mais diversas. A pluralidad­e da cena noturna de São Paulo foi fator determinan­te para atrair o crew do Dekmantel. Um de seus porta-vozes, o holandês Matthijs Theben, ficou impression­ado com o que encontrou por aqui quando visitou a cidade pela primeira vez, em 2016.

“Pouca gente na Europa tem ideia do que está acontecend­o em São Paulo”, diz. Mais importante ainda foi a sintonia com os DJs do Gop Tun, núcleo de festas que, ao longo de cinco anos, trouxe um público novo para ouvir suas pesquisas musicais, que vão de techno a disco music, e que agora assina a produção do Dekmantel junto com os holandeses.

O primeiro capítulo desse namoro é o que veremos neste fim de semana. Ansiedade define.

 ?? LECO DE SOUZA/DIVULGAÇÃO ?? Na rua. Festa em 2016 reuniu vários coletivos no centro
LECO DE SOUZA/DIVULGAÇÃO Na rua. Festa em 2016 reuniu vários coletivos no centro

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil