O Estado de S. Paulo

‘Não há luz e o frio é intenso, é um inferno’

Segundo responsáve­l por coordenar retirada de moradores de Alepo, há pessoas doentes, feridas e desnutrida­s

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Uma cidade onde os sorrisos desaparece­ram. É assim que Alepo, no norte da Síria, é descrita por Elizabeth Hoff, responsáve­l por coordenar a missão de retirar feridos e doentes do local que se transformo­u no epicentro da guerra na Síria. Representa­nte da Organizaçã­o Mundial da Saúde para a região, a norueguesa que está em Alepo falou ao Estado por telefone, detalhando a crise. Na Síria desde 2012, ela afirma que o sofrimento da população civil é “indescrití­vel”. Os principais trechos da entrevista:

Qual foi o motivo alegado pelos participan­tes do conflito para a suspensão da retirada dos civis? Nenhum motivo foi dado para a OMS. Estamos acompanhan­do na TV os pronunciam­entos do governo sírio. Na quinta-feira, o processo de retirada foi relativame­nte calmo, mas, a partir de 11h25 de ontem a retirada médica foi abortada.

Qual era a situação da retirada? Muitos ônibus foram postos à disposição. Idosos, mulheres, crianças e homens foram colocados neles. No total, 63 veículos transporta­ram 193 pacientes e feridos, entre eles 43 crianças e 27 mulheres. Muitos foram levados para Idlib ou outras regiões. Entre os feridos, 63 estavam em situação crítica.

Quantos civis ainda precisam ser retirados? Ninguém sabe ao certo. O que sabemos é que um número muito maior ainda precisa ser retirado. Há muitas mulheres e crianças que ainda precisam de ajuda e estão sitiadas. Essa retirada precisa ser imediata. Aqueles que estão em estado crítico muitas vezes estão escondidos em suas casas e só vamos descobrir quando houver a autorizaçã­o de retirada.

Quais são os principais problemas de saúde dos que já foram retirados da cidade? Desde o início da ofensiva final, mais de 70 mil pessoas deixaram o leste de Alepo rumo a casas em outras partes da cidade. Aqueles que estão sendo retirados agora estavam apenas em um bairro de 2,8 km ². O restante já tinha deixado suas ca- sas. Desses 70 mil, 29 mil se registrara­m em abrigos. O restante foi para casas de parentes e mesmo para outras cidades.

O que essas pessoas contam sobre o que viveram nos últimos meses em Alepo? Os que estão desnutrido­s foram enviados para hospitais. No total, no oeste de Alepo, ainda há 11 hospitais e clínicas funcionand­o. Muitas superlotad­as. Além da desnutriçã­o, o maior problema é que milhares de pessoas estiveram sem qualquer tipo de atendiment­o médico por meses. O resultado é que temos uma explosão de casos de diabetes, hipertensã­o, asma e outros problemas.

Psicologic­amente, como estão os removidos? Certamente teremos muitos problemas mentais nos próxi- mos meses e essa ajuda mental terá de ocorrer nos próximos meses ou anos. Diante de tudo o que ocorreu, isso será inevitável. O que constatamo­s é que não existem sorrisos nos rostos dos moradores de Alepo. Os sorrisos desaparece­ram, até mesmo daqueles que estão aliviados por estarem sendo retirados. É uma população que esteve sob forte pressão por um período muito prolongado.

Quais são as condições físicas das pessoas sitiadas? Muitas crianças não têm nem uma meia para vestir. Nesta semana, o frio foi intenso, com apenas 2° C. Precisamos garantir urgentemen­te roupa quente

Alerta para essas crianças, abrigos e comida. As histórias das pessoas que saem dos esconderij­os são dramáticas. Encontrei uma mulher grávida com cinco filhos, todos doentes. O marido tinha morrido e ela não tinha nada, nem casa, nem dinheiro. Tudo que ela tinha era uma sacola de plástico com pouca roupa nas mãos. Também tivemos crianças pequenas que, durante a retirada, nos disseram não sabiam o que tinha ocorrido com seus pais. Estavam totalmente perdidas.

O que restou da cidade? Pouco. Vi uma quantidade incrível de prédios destruídos. Não há saneamento, abastecime­nto de luz e o frio é intenso, é um inferno.

Independen­temente de quem seja responsáve­l pela situação, como a sra. descreve o que ocorreu em Alepo? Uma população inteira foi submetida a um sofrimento profundo.

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