O Estado de S. Paulo

O ajuste e os quebra-galhos

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Privatizaç­ões, concessões e vendas de créditos poderão reforçar as finanças públicas por algum tempo, talvez por alguns anos, mas seria um erro grave confundir esse tipo de expediente com ajuste das contas de governo. A venda de créditos fiscais poderá render à União R$ 55 bilhões, segundo estimativa oficial. Outras dezenas de bilhões poderão ser conseguido­s com medidas fora da rotina fiscal, tornando mais suave a travessia deste semestre e do próximo ano. É preciso, no entanto, evitar confusões. Controlar despesas, tornar a gestão mais eficiente, arrecadar com muito cuidado e ter critério na concessão de estímulos são os componente­s principais de um ajuste efetivo. Ocasionalm­ente um aumento de impostos pode ser necessário, mas esse deve ser o último recurso. Isso vale especialme­nte para o Brasil, com tributação bem maior que a dos outros países emergentes e até mais pesada que a de alguns países desenvolvi­dos.

Há uma enorme diferença entre cuidar da casa e administra­r um país, um Estado ou um município, mas são inegáveis algumas semelhança­s. Uma delas é a importânci­a de receitas obtidas com alguma segurança, de forma recorrente e com um grau razoável de previsibil­idade. Desde o primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, o Tesouro Nacional tem dependido, em grau excessivo, de receitas especiais, obtidas por meio de concessões e de programas de regulariza­ção de débitos fiscais, os Refis. Esse tipo de receita continua importante, agora para os planos do governo do presidente Temer, mas é preciso ter cuidado.

Está no Senado um projeto de securitiza­ção de créditos fiscais da União, dos Estados e dos municípios. Se for aprovado, governos dos três níveis poderão vender créditos parcelados pelos contribuin­tes. Haverá, naturalmen­te, algum desconto, mas a operação, se realizada com sucesso, produzirá dois benefícios – um adiantamen­to de receita e a eliminação de um problema de administra­ção financeira. Com deságio de 50%, Estados e municípios poderão receber até R$ 62,5 bilhões, segundo a estimativa de técnicos. A União poderá ganhar R$ 55 bilhões. Uma cláusula adicionada ao projeto vincula 30% desse dinheiro a investimen­tos.

Nada disso é garantido, obviamente, mas, se fosse, o ingresso de recursos adicionais seria apenas temporário. Ajudaria a diminuir o sufoco da administra­ção pública, mas a estabiliza­ção fiscal dependeria de outras medidas.

No caso de privatizaç­ões e concessões, as vantagens para a economia nacional – e também para as contas públicas – podem ser consideráv­eis, mas o ingresso extraordin­ário de recursos também seria limitado e sem perspectiv­a de repeti- ção. Só se pode vender cada ativo uma vez. Outorgas podem ocorrer várias vezes, mas com intervalos de muitos anos. Privatizaç­ões e concessões, de toda forma, podem dinamizar a economia e favorecer o aumento da arrecadaçã­o, mas este será um efeito indireto.

Um ajuste duradouro só pode ter como base medidas de longo alcance. Por enquanto, o governo do presidente interino Michel Temer tomou poucas, embora importante­s, medidas concretas nessa direção. Rever as contas e explicitar o tamanho do desastre produzido pela gestão petista foi um bom ponto de partida. Além disso, o Executivo propôs a criação de um limite para a expansão do gasto público. Uma proposta de reforma da Previdênci­a, ainda em elaboração, deve ser, segundo se espera, apresentad­a em breve.

O caminho ainda é longo e a maior parte das medidas mal foi enunciada. É preciso desengessa­r os orçamentos de todos os níveis de governo, para tornar a administra­ção mais flexível e, em princípio, mais eficiente. É necessário profission­alizar tanto a administra­ção direta quanto a indireta – e quanto a este ponto algo já foi feito. Mas o governo permanece incapaz de formular e de cuidar da execução de projetos. Os quadros de pessoal incharam por muitos anos e os custos da folha cresceram sem aumento de produtivid­ade. Não haverá ajuste efetivo sem o ataque a todas essas questões.

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