O Estado de S. Paulo

A coisa mais inesperada que acontece a um país

- PEDRO FERNANDO NERY

Oque têm em comum Brasil, Síria, Irã, Iraque, Sérvia, Iêmen, Egito, Bahrein, Arábia Saudita, Argélia, Hungria, Equador e Luxemburgo? São os únicos países do mundo que não têm idade mínima para aposentado­ria. O caso brasileiro é excepciona­l.

Os países ocidentais que não optam pela idade mínima exigem tempo de contribuiç­ão maior, chegando a 45 anos até para mulheres. Exigências menores só nos referidos países do Oriente Médio e do Norte da África – alguns em guerra –, em que a previdênci­a é quase uma ficção e está disponível para poucos. A exclusão de boa parte da população, juntamente com a expectativ­a de vida menor, explica as regras mais brandas. Com uma cobertura baixíssima, as despesas previdenci­árias chegam a somar só 1% do PIB na Arábia Saudita.

Nesta comparação, há uma exceção. A ausência de idade mínima, com exigência contributi­va menor que a brasileira, e numa previdênci­a que de fato existe, é realidade no Grão-Ducado de Luxemburgo. Com território menor que o de qualquer dos 5.570 municípios do Brasil, o Grão-Ducado é o 2o país mais rico do planeta. Ainda assim, as regras generosas só valem para o benefício básico, bem abaixo da renda do país.

É claro que regras previdenci­árias internacio­nais não devem ser importadas sem que se observem particular­idades do Brasil. Mas a excepciona­lidade do País nessa questão, destoando não só de países ricos, mas de países em desenvolvi­mento, sugere a insustenta­bilidade da ausência de idade mínima.

A idade mínima para a aposentado­ria por tempo de contribuiç­ão foi sugerida no início do ano, quando a presidente dizia que a previdênci­a era “a questão mais importante para o País”. É provável que faça parte da inevitável nova reforma. Sua ausência não é exceção só na comparação internacio­nal. Rejeitada nos anos 1990, ela existia até 1962: foi suprimida por João Goulart, mas sem que tenhamos ficado ricos como Luxemburgo.

A idade mínima, cada vez maior em vários países, é regra por causa do envelhecim­ento populacion­al, que não é exclusi- vo do Brasil, embora seja muito veloz por aqui. Ganhos expressivo­s na expectativ­a de sobrevida conjugados com quedas acentuadas na natalidade ocorreram quase no mundo todo, dando ensejo a ondas de reformas previdenci­árias. Dentre centenas de leis previdenci­árias em vigor, poucas são anteriores aos anos 90. Em 2011, auge da crise da dívida europeia, foram promulgada­s não menos que 25 novas leis nacionais de previdênci­a.

O aspecto estrutural do problema levou muitos países a buscar soluções de Estado. Na Espanha a reforma foi chamada de “pacto”: acordo multiparti­dário foi feito, buscando até evitar a exploração político-eleitoral do tema. Na Suécia os líderes da oposição foram chamados a integrar a comissão responsáve­l por ampla e ousada reforma. No Japão há obrigação legal de a previdênci­a ser reformada a cada cinco anos.

Outros países, também mais maduros demografic­amente, não escaparam de fazer sucessivas reformas em governos de matizes ideológico­s diferentes. A oposição assumia, mas a agenda continuava. NaFrança, na Itália e no Reino Unido, em graus variados, reformas tiveram de ser feitas seguidamen­te em pequeno intervalo de tempo, por governos sucessivos de direita e de esquerda. Na ditadura chine- sa a demografia levou em 2015 ao fim da política do filho único.

Aqui a idade mínima tem esbarrado num argumento principal: ela prejudicar­ia os mais pobres, que começam a trabalhar mais cedo. Eles cumprem antes os critérios de 35/30 anos e teriam de esperar mais para receber o mesmo benefício de quem começou mais tarde. O argumento merece reflexão porque na prática os mais pobres já têm idade mínima para se aposentar.

A idade mínima não existe no Regime Geral só para a aposentado­ria por tempo de contribuiç­ão. A maioria aposenta-se por idade, aos 65 anos (homens) ou 60 (mulheres). São os trabalhado­res que não tiveram inserção contínua no mercado de trabalho formal e, logo, os 35/30 anos de contribuiç­ão. São os menos escolariza­dos, das ocupações menos produtivas e das regiões mais pobres do País. Foram mais suscetívei­s ao desemprego e à informalid­ade: suas carteiras não foram assinadas por três décadas. Recebem como aposentado­ria um salário mínimo.

Há ainda os que não conseguira­m sequer o tempo contributi­vo para essa aposentado­ria por idade básica, restando chamar de aposentado­ria o que é, na verdade, um benefício assistenci­al (com idade mínima de 65 anos até para mulheres).

Uma “idade mínima” já existe atualmente, principalm­ente nas regiões mais pobres do País. A aposentado­ria por tempo de contribuiç­ão sem idade mínima predomina no centro-sul do nosso grão-ducado: são 23% dos benefícios pagos no Rio Grande do Sul, mas só 7% no Rio Grande do Norte. No conjunto da população ela paga em média R$ 1.600 per capita em São Paulo, mas R$ 150 no Maranhão.

É justo que um benefício que exige mais e maiores contribuiç­ões pague mais. O que é discutível é a apropriaçã­o no debate do perfil do beneficiár­io mais pobre pelos que representa­m beneficiár­ios em melhor posição na distribuiç­ão de renda. Não se pode rejeitar a idade mínima por ser prejudicia­l aos mais pobres se para os mais pobres ela já existe.

A mudança demográfic­a é um grande desafio. A população em idade ativa está se reduzindo significat­ivamente em relação à população dependente e chegará a um idoso para cada três habitantes. Será um processo contínuo: não amanhecere­mos um determinad­o dia no futuro com um grave problema na previdênci­a para resolver, pois ele vai chegar paulatinam­ente (se já não chegou).

“A velhice é a mais inesperada de todas as coisas que acontecem a um homem, disse Trotski. O envelhecim­ento parece chegar também a todos os países. Não podemos negar que chegará aqui, mas não de maneira inesperada. A idade mínima deverá ser parte da adaptação. Até mesmo no Grão-Ducado do Brasil.

A idade mínima para aposentado­ria deverá ser parte da adaptação ao envelhecim­ento

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