O Estado de S. Paulo

Barça real

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OBarcelona anda na boca de povo de tudo quanto é lugar. Há muito virou mania internacio­nal, com fãs-clubes espalhados da Cochinchin­a à Terra do Fogo. Empresa tão multinacio­nal quanto montadoras, fabricante­s de refrigeran­tes, seguradora­s e por aí afora.

Sai à cata de talentos no Oriente, no Ocidente; corre por Ceca, Meca e Currais de Santarém para pescar craques da bola. Ainda chegará o dia em que haverá festa na Paulista para comemorar um título da turma catalã, ou “blaugrana”, algo como azul-grená em Português coloquial. Quero até assistir, mas jamais participar­ei! Torço só por um time – e é daqui.

O Barça parece composto por semideuses inatingíve­is, entidades mitológica­s que decidem destinos como melhor lhes aprouver. E no momento em que assim o desejarem. Basta-lhe um estalar de dedos, dois ou três dribles e põem adversário­s de joelhos. Impiedosos.

No entanto, os moços que vestem a centenária camisa demonstram ser humanos, sujeitos a proezas e falhas; têm limitações como você, eu ou como o Chico Barrigudo. Está aí a fase atrapalhad­a que enfrentam: queda na Liga dos Campeões e derrotas seguidas no Campeonato Espanhol, que até semanas atrás pintava como barbada. Crise.

Que bom, que alívio; lava a alma constatar tal obviedade. Não há ironia nas afirmações; ao contrário, estão carregadas de simpatia e solidaried­ade. A gente imagina que deve ser bacana o moço sentir todo-poderoso, reverencia­do e invejado, por integrar elenco famoso. Claro que embute prazer de- mais, desde a perspectiv­a de vitórias memoráveis até os ganhos fenomenais, passando por badalações mundanas. Quem acharia ruim viver num mundo de fantasia aos 20 anos?

Mas fama e dinheiro cobram preço – e, no caso do futebol, esse se traduz por pressão incessante por objetivos grandiosos. Neymar, Suárez, Messi & Cia ganham os tubos, têm tapetes vermelhos estendidos por onde passam, arrastam séquitos de admiradore­s ou puxa-sacos. A contrapart­ida para eles está na obrigação permanente de terminarem no topo. O que estiver abaixo da taça é igual a fiasco.

A turbulênci­a atual escancara a falibilida­de do Barcelona – e pode lhe fazer bem, se souber aproveitar os ensinament­os da vida. Talvez dose menor de soberba, do goleiro aos atacantes; simplicida­de na postura e na estratégia. Calma e uma pitada de humildade. Um ligeiro recuo para a arrancada posterior. A questão é saber se estão dispostos à revisão. As reações de Luis Enrique desanimam. O treinador assumiu de vez a máscara do posudo, marrento e, ao menos da boca para fora, desdenha de críticas. Na casca grossa diz que não está nem aí para quem o critica.

Não será o primeiro nem o último a agir dessa maneira; problema dele e de quem o paga. Há o risco de influencia­r os jogadores, naturalmen­te inclinados a ficarem arrepiados e cheios de melindres com cobranças e reprimenda­s.

Enrique que se vire – é enjoadinho, como se dizia no Bom Retiro. Para nós, brasileiro­s, interessa ver como a maré baixa atinge Neymar. O capitão da seleção virou um dos alvos favoritos da malhação – e, exageros à parte, a bola anda murcha. Talento lhe escorre pelos poros, há longa estrada para percorrer. Mas seria proveitosa autocrític­a, um olhar introspect­ivo. Mais do que dar tapa em rival depois de derrota.

Qual Tricolor? O São Paulo deu escorregad­a no domingo, na surra de 4 a 1 que levou do Audax. Só o placar já seria chato; pior foi o futebol pobre, desconjunt­ado e insosso que se viu no campo de Osasco. Com agravante: Edgardo Bauza recorreu ao que tem de melhor no momento. Ou seja, queria a vaga para a semifinal.

Bate, portanto, a dúvida no torcedor: e se se comportar dessa maneira amanhã, em La Paz? A resposta fácil e na bucha indica derrota para o The Strongest. Como consolo é possível agarrar-se à esperança de que, mesmo sem passar confiança, não repetirá o fracasso do Estadual. E empate não é tarefa sobrenatur­al.

A crise técnica do badalado time catalão pode custar-lhe outro título, mas o humaniza

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