O Estado de S. Paulo

Imersãonas sutilezas

-

da; o trabalho da artista performáti­ca Marina Abramovic; a pedagogia moderna abordada por Jorge Larrosa Bondía; entre outras fontes.

“Foram coisas que fui conectando. Todas elas falavam sobre a importânci­a da convivênci­a, para que a gente transforme alguma coisa e para que esse processo fique orgânico e vivo”, conta ela. “Pensei: ‘como vou fazer esse processo musical separado de todo mundo?’. Porque a gente poderia fazer isso: o Letieres mandaria os arranjos, o Beto faria a pós-produção. No início, seria assim, inclusive. A gente ia gravar aqui em Curitiba. Mas e aí, e essa convivênci­a, essa conexão? Pensei que essa convivênci­a podia potenciali­zar a música que existia dentro da gente – e, de fato, foi o que ocorreu.”

Casa Aberta é um disco de intérprete. Janaina chegou à residência com nove músicas escolhidas, com a combinação de que uma décima canção seria composta dentro da casa – e sem saber ao certo como as coisas se dariam ao longo desses seis dias. Mas, aos poucos, eles foram se adaptando àquela breve nova rotina. Quem acordava primeiro preparava o café da manhã. Todos comiam e, depois, subiam para o estúdio. A hora para a próxima refeição, fosse ela almoço ou jantar, dependia da fluidez do dia. Havia um cronograma a ser cumprido, mas o processo em si corria livremente. “Foi uma surpresa muito boa, porque podia ter, sim, dado tudo errado. A gente chegou com a nossa bagagem, com a nossa ‘casa’ – não a casa no concreto, mas o que a gente tem guardado dentro de cada um – e generosame­nte a abriu”, diz Janaina.

Nessa fase de entrega coletiva, Janaina viu diretrizes que ela já tinha planejado previament­e tomarem outros rumos. Como no caso das nove faixas que levou para a gravação. Duas delas saíram e deram lugar a Promessa, de Bruno Capinan e Luisão Pereira – que chegou até ela um dia antes da residência –, e Quem, de Alice Ruiz e Itamar Assumpção. Das inéditas, além de Promessa, o disco traz Infinito Efêmero, de César Lacerda, e a citada canção criada durante a residência, no estilo working in progress, que leva o nome de Árida, uma parceria de Janaina com Bernardo Bravo, Beto Villares, Estrela Leminski, Téo Ruiz. Das releituras, surgem canções de autores que são referência­s para ela, como Gilberto Gil, em O Seu Amor, Lucas Santtana, em É Sempre Bom Se Lembrar, e o já mencionado Itamar Assumpção, em Quem (com Alice) e Sutil.

Há ainda outras regravaçõe­s pouco óbvias: Varanda, de Alessandra Leão, Preta, de Lirinha, e a bela Sol das Lavadeiras, de Zé Manoel e Mavi Pugliesi. Janaina foi feliz na escolha das músicas do cancioneir­o brasileiro, do referencia­l ao contemporâ­neo. Muito disso se deve a Beto Villares, que a dissuadiu da ideia de fazer “um disco mais pop”, com um tipo de repertório familiar à primeira audição. “Naquele momento, eu pensava que essa era minha última oportunida­de. A gente tem essa questão da dificuldad­e de acesso às grandes mídias às vezes. O Beto me pegou no flagra”, confessa. “Ele me deu mais uns nomes, dei outros nomes para ele e, assim, a gente foi se conquistan­do até chegar a esse repertório.” O toque de Midas de Letieres deu ainda mais frescor a faixas que já não são tão banalizada­s em muitas regravaçõe­s. Uma obra embalada pelas sutilezas em letra, música e voz.

Filha de pai sanfoneiro – e todo esse lado da família formado por músicos e cantoras –, Janaina Fellini nasceu na pequena Vitorino, no interior do Paraná, onde só ouvia música no rádio e, mesmo assim, com um número restrito de artistas no dial, como Elis e Vanusa. Ela só aprofundou seus conhecimen­tos na área após se mudar para Curitiba, onde fez faculdade de Jornalismo e se dedicou ao canto. E, para a sua música, deseja a leveza. “Gosto do caminho da sutileza para o meu trabalho. Prefiro não ter canções de reivindica­ção, prefiro outros caminhos.”

 ?? TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO ?? A cantora. Seu segundo álbum foi gravado em uma chácara no interior do Paraná
TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO A cantora. Seu segundo álbum foi gravado em uma chácara no interior do Paraná
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil