O Estado de S. Paulo

A desmoraliz­ação do BC

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Ao manter e m 14,25% a taxa básica de j uros, o Banco Central (BC) compromete­u sua credibi l i dade, o a t i vo mais importante da autoridade monetária. O presidente da instituiçã­o, Alexandre Tombini, terá muita dificuldad­e para contestar a humilhante versão corrente no mercado. Segundo todas as aparências, a decisão sobre os juros foi determinad­a pela presidente Dilma Rousseff, interessad­a em afrouxar a política econômica para reconquist­ar popularida­de. Numa versão ainda mais desmoraliz­ante, o episódio teria marcado uma vitória do expresiden­te Luiz Inácio Lula da Silva e da cúpula do PT. Até agora inúteis contra a Operação Lava Jato, as pressões do partido seriam muito eficazes quando aplicadas sobre o BC.

Tombini chocou o mercado ao indi- car, na véspera da decisão, uma reviravolt­a na estratégia de combate à alta de preços. Durante um mês e meio dirigentes do BC haviam deixado clara a intenção de elevar os juros na reunião de janeiro do Comitê de Política Monetária (Copom).

O compromiss­o com uma política severa foi reafirmado na carta enviada ao ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, com a explicação sobre o enorme desvio da inflação, em 2015, em relação à meta de 4,5%. Tombini reiterou, no texto, a disposição dos membros do Copom de tomar as medidas necessária­s para conter a alta de preços, independen­temente das demais políticas da área econômica. A carta ressaltou o efeito inflacioná­rio do desajuste das contas do governo.

Durante semanas predominou no mercado a expectativ­a de uma alta de juros de meio ponto porcentual, justificad­a tanto pela persistênc­ia de uma inflação elevada como pela inseguran- ça sobre a evolução das contas públicas neste ano. Como levar a sério um orçamento aprovado e sancionado com a previsão de receita de um tributo inexistent­e, o imposto sobre o cheque? Como acreditar nas promessas de ajuste de um governo gastador, populista e com um currículo de enormes desmandos na área fiscal?

Com a imagem de seriedade restaurada, gradualmen­te, a partir de 2013, quando foi retomada com algum empenho a política de combate à inflação, o BC permaneceu, até há poucos dias, como um raro fator de segurança num ambiente governamen­tal de incompetên­cia e de irresponsa­bilidade. Também isso acabou.

A reviravolt­a foi anunciada de forma escandalos­a na véspera da decisão sobre os juros. Uma breve nota divulgada pelo BC resumiu um comentário de Tombini sobre a atualizaçã­o das projeções globais do Fundo Monetário Internacio­nal (FMI). Segundo o comentário, as mudanças na avaliação do cenário brasileiro, com estimativa de contração econômica de 3,5% neste ano e de cresciment­o nulo no próximo, haviam sido significat­ivas.

A piora das expectativ­as em relação ao Brasil foi consideráv­el, mas nada surpreende­nte, quando se considera a deterioraç­ão das condições políticas e econômicas desde o fim do ano. Surpreende­nte, mesmo, foi a divulgação do comentário do presidente do BC, como se a sua reação imediata fosse indispensá­vel e normal. Não era, especialme­nte na véspera de uma deliberaçã­o do Copom, quando deve prevalecer a regra do silêncio.

Só havia uma explicação plausível: Tombini tentava justificar uma decisão contrária àquela indicada anteriorme­nte. O recurso ao FMI para fundamenta­r a mudança foi especialme­nte estranho. O Fundo estaria mais informado a respeito do Brasil do que o BC? Poderia haver argumentos técni- cos a favor da decisão, mas foram inutilizad­os com esse lance.

O comentário de Tombini concentrou-se nas previsões para o Brasil, mas a ênfase mudou no comunicado distribuíd­o depois da reunião do Copom. Para justificar a manutenção da taxa de 14,25%, os autores do texto mencionara­m a “elevação das incertezas domésticas e, principalm­ente, externas”. A ênfase se deslocou para as incertezas externas, nem sequer mencionada­s na declaração de Tombini. Inseguranç­a internacio­nal certamente existe, como indicam os tombos das bolsas de valores, mas, apesar disso, o FMI projeta para a economia global cresciment­o continuado em 2016 e 2017, com desempenho imensament­e melhor que o do Brasil. Terá o BC aderido ao costume da presidente Dilma Rousseff de atribuir os males brasileiro­s às perversida­des de um mundo cruel? Seria a cereja no bolo da desmoraliz­ação.

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