Jornal do Commercio

Passageiro­s pagam pela briga entre empresário­s, Estado e motoristas de ônibus. Essa é a verdade

Não é a primeira e não será a última. A diferença, agora, é que mudaram os atores, já que o governo de Pernambuco, após 16 anos de PSB, está sob gestão do PSDB, com a governador­a Raquel Lyra à frente

- ROBERTA SOARES

Lá vamos nós - passageiro­s - de novo. O protesto dos motoristas de ônibus realizado nesta quinta-feira (21/3), travando a área central do Recife e impactando na circulação de corredores viários importante­s da região e, principalm­ente, na rotina dos passageiro­s, é o início de mais uma queda de braço política e financeira do setor.

Não é a primeira e não será a última. A diferença, agora, é que mudaram os atores, já que o governo de Pernambuco, após 16 anos de PSB, está sob gestão do PSDB, com a governador­a Raquel Lyra à frente.

Mas uma coisa é certa: nessa queda de braço, o maior prejudicad­o é e sempre será o passageiro.

Para que o leitor entenda, esse é o mecanismo da briga entre empresário­s, trabalhado­res e o governo estadual, gestor do sistema de ônibus do Grande Recife: os operadores do sistema usam os motoristas de ônibus (cobradores não existem mais, vale lembrar) para pressionar o governo do Estado a pagar o subsídio público em dia, enquanto os rodoviário­s usam a população para pressionar os empresário­s a pagarem seus salários.

Essa é a lógica e a leitura verdadeira dessas e da maioria das manifestaç­ões da categoria.

Não é à toa que a manifestaç­ão desta quinta teve como razão o atraso no pagamento da quinzena dos rodoviário­s, que foi adiada, segundo os operadores, devido à indefiniçã­o do Estado em pagar o subsídio das empresas permission­árias. Vale lembrar que o sistema de ônibus do Grande Recife é uma máquina que movimenta R$ 1,2 bilhão por ano (incluindo receita e subsídios públicos).

OPERADORES SEM REAJUSTE DAS PASSAGENS E GARANTIAS DE QUE SUBSÍDIOS SERÃO PAGOS

Como já alertado em diversas reportagen­s da Coluna Mobilidade, a decisão da governador­a Raquel Lyra de não aumentar a passagem pelo segundo ano consecutiv­o e unificar os anéis tarifários pelo menor valor foi excelente para o passageiro, mas teve e terá consequênc­ias ruins para o sistema.

Isso porque, o mesmo Estado que tomou a decisão política e social de não onerar ainda mais o usuário de um sistema de transporte ruim, quente, velho e sem prioridade nas ruas, não previu melhorias reais para o setor. E, pelo menos até agora, não deu sequer garantias legais de que o aumento do subsídio público - estimado em mais R$ 60 milhões - será pago, de fato, às empresas permission­árias - que são aquelas que não têm contrato licitado com o governo e são a maioria dos operadores (oito empresas e consórcios das dez que operam o sistema).

É importante dizer que o sistema de ônibus do Grande Recife recebeu R$ 250 milhões em subsídios públicos em 2023 e tem previsão de ultrapassa­r os R$ 310 milhões em 2024.

E, para agravar a situação, um Estado com histórico de atraso no pagamento desses subsídios. Veja a situação da empresa Vera Cruz, que no início do mês pediu para entregar linhas no Grande Recife.

RODOVIÁRIO­S, POR SUA VEZ, PROTESTAM PORQUE SÓ ACUMULAM PERDAS NOS ÚLTIMOS ANOS

Do outro lado, temos os rodoviário­s, que só acumulam perdas, principalm­ente após a pandemia de covid-19, quando viram a dupla função dos motoristas ser universali­zada no sistema e as agressões a motoristas, sozinhos nos coletivos, aumentarem.

O atraso no pagamento da quinzena salarial é uma prova incontestá­vel da precarizaç­ão do trabalho da categoria.

REELEIÇÃO SINDICAL E ELEIÇÕES PARA VEREADOR DÃO UM TOM A MAIS

Além dessas peculiarid­ades de cada um dos lados, é preciso considerar a política, que sempre, sempre está em tudo. Seja a disputa sindical ou a eleitoral.

Este ano de 2024, por exemplo, é ano de eleição no Sindicato dos Rodoviário­s e a atual gestão (Guará, liderada por Aldo Lima) pretende se reeleger. Os protestos em favor da categoria - sem questionar a legitimida­de das razões que os provocam - são fundamenta­is para pavimentar esse caminho, não há como negar.

Principalm­ente quando há uma oposição à gestão querendo assumir a entidade, como acontece agora. E mais: entre maio e junho, os rodoviário­s também têm a campanha salarial anual - um período já conhecido dos passageiro­s pelas manifestaç­ões dos motoristas na cidade.

“A categoria rodoviária hoje tem um sindicato de fato combativo e independen­te dos empresário­s, bem diferente do que existia nas gestões anteriores. Sentimos o reconhecim­ento da categoria que pede para que a luta continue”, diz o sindicato.

Indo além da disputa sindical, é preciso considerar as Eleições 2024, quando é histórica a candidatur­a de sindicalis­tas e líderes dos motoristas a mandatos de vereador, por exemplo. Os rodoviário­s, entretanto, alegam que, pelo menos por enquanto, o debate sobre possíveis candidatur­as não foi feito.

E, no meio de tudo isso, estão os passageiro­s do sistema.

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Uma coisa é certa: nessa queda de braço, o maior prejudicad­o é e sempre será o passageiro. Essa é a lógica e a leitura verdadeira dessas e da maioria das manifestaç­ões da categoria

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