Jornal do Commercio

Desabafo sobre o Brasil que vejo

A realidade brasileira nos leva a repetição: de angústias, de preocupaçã­o, de... desabafos

- TARCISIO PATRICIO DE ARAUJO Tarcisio Patricio, Doutor em Economia. Professor da UFPE, aposentado.

Oque segue poderia ser um desdobrame­nto da última crônica, com um “2” aposto ao título anterior. Mas, adversa o autor, seria repetir um título por ele agora julgado desinteres­sante. E aí vem outra chamada; sim, um desabafo, sentimento que se capta nas ruas, com populares (reclamando de inflação, por exemplo, embora o indicador oficial de preços–ipca – esteja relativame­nte bem comportado. Alguns preços da cesta básica falam alto). Deixe-se pra lá a chatice da economia, que vai mais ou menos bem, embora o cresciment­o do PIB de 2023 só é “pibão” no reinante palco de fantasias de redes sociais. E venha a conversa de hoje.

A realidade brasileira nos leva a repetição: de angústias, de preocupaçã­o, de... desabafos. quando surgiram as investigaç­ões sobre o mensalão e a Lava Jato, achei que o país caminhava para reformasqu­e, finalmente, trariam justiça social. Sonhei coma possibilid­ade de se instituir a condenação em segunda instância, e com o fim do foro privilegia­do de tudo que era agente público a ser investigad­o nos termos de uma democracia. Foi-se tudo.

Oque restou foi uma barafundad­e‘ narrativas ’, em que a Lava Jato virou a criminosa e os acusados não foram inocentado­s, mas ficaram livres devir a ser objeto de investigaç­ão. Provas concretas foram anuladas.

O não investigad­o envolvimen­to em malversaçã­o de recursos foi generosame­nte ‘democrátic­o’ – tratava-se de gente de todo o espectro político – e salvaram-se todos. Elio Gaspari, em artigo de 10/03/2024 (O GLOBO), é preciso: quando Lula, no mandato 03, aponta defeitos da Lava-jato e omite o que houve de virtuoso naquela operação, “prega para convertido­s, sejam eles petistas ou empreiteir­os, mas agride parte do eleitorado, que não aprova o que soa como uma indulgênci­a com os corruptos”.

Acrescento: não respeita a significat­iva parcela do eleitorado que a ele confiou o voto, não só para liderar a “reconstruç­ão nacional”. Esperava-seu mg o verno amplo(esse foi o sentido das eleições ), e não o‘ repeteco’ do presidente anterior: conversa só com os devotos, e pauta de reeleição desde o começo do mandato. E governança bem difícil, com evangélico­s e Centrão dando cartas no Parlamento.

Em contexto peculiar, uma jornada de alto risco – abrindo janela para um governo de direita. E, se o americano Trump galgar mais um mandato, a extrema-direita brasileira ganhará ainda mais alento. Coisa que se espalha no mundo: veja-se o recente resultado das eleições em Portugal. co isaque tem como forte raiz a extrema polarizaçã­o que aqui também grassa – alimentada por cada um dos extremos.

Além disso, no nosso quintal a composição parlamenta­r depois das eleições de 2018 e 2022 e decorrente­s arranjos políticos tornam ainda mais difícil se operar contra a impunida dede agentes públicos. Umexemploé­o do deputado Ricardo Salles, quando, como Ministro do Meio ambiente (!) no governo passado, notabilizo­u-se em foto que serve de ornamento a uma grande pilha de madeira ilegal da Amazônia (!!), obstando investigaç­ão pela Polícia Federal. Poi sé, e nada mais se viu sobre como anda aprestação de contas, à Justiça, do agora agente público com o escudo ‘foro privilegia­do’.

Ocorre que o panorama político – que costuma ganhar traços policiais – parece sempre capaz de se tornar mais turvo. E isso se dá com um relato publicado na Revista PIAUÍ, Edição 210 (Março 2024). “Um poder político extraordin­ário ”, assinada por Al lande Abreu,éu ma estarreced­ora história. É como se nada escapasse ao cupim da malversaçã­o de recursos. matéria de 26 pág in as(pdf ), que vale ser lida por completo. segue resumo com destaques da matéria. “Como a FGV enterrou investigaç­ões de corrupção de seus diretores – e os investigad­ores acabaram sendo investigad­os”. “... investigaç­ões do Ministério Público e da Polícia Federal que apontam graves indícios de malversaçã­o de recursos na casa dos milhões de reais, descontrol­e contábil, corrupção, evasão de divisas e lavagem de dinheiro ”. Um traço burlescoéo­ap elido dado aos costumeiro­s seminários do ID P( instituto do qualé sócio o Ministro Gilmar Mendes), parceiro da FGV, em Lisboa, Portugal: ‘Gilmarpalo­oza’.

Como economista, pesquisado­reusuário das fontes de dados e de bons textos da FGV, fiquei de queixo caído. Pois é, isso ainda é possível no Brasil. O antigo reaparece com manto do inédito. No caso, um tapa no rosto de todo usuário e apreciador dos serviços da FGV.

É arraigado o uso da coisa pública como “coisa nossa”. Arranjos espúrios mantêm mazelas deste país. É só ver como se tratam os processos de licitação, trate-se de bilhões, ou de ninharia. A solução passa pelo mais difícil: reformas – do Estado, de instituiçõ­es políticas, do aparato Judiciário. Quando? Pergunte-se aos astros.

E – depois da fogueira pulada nas eleições de 2022 – o momento atual é, sem dúvida, oportunida­de de arranjo político amplo, para mudar o rumo. Para mim, a salvação dademocrac­ia–lideradapo­r Lula (com preciosa ajuda de Simone Tebet e de nós todos que deram voto a Lula, inclusive os motivados pelo ‘contra-bolsonaro’) e por Alexandre de Moraes – não justifica a “canonizaçã­o” de um, nem do outro. Exercício crítico é algo obviamente necessário, inclusive no que respeita ao ‘xerife’ Moraes. E esbravejar, no palco errado, é traço persistent­e do Presidente Lula. E a direita, ganhando.

Se prudência e sagacidade prevaleces­sem, seria o caso dese iniciara costura de quadros da centro-esquerda, do Centro Democrátic­o, e da centro-direita, com bandeira política AMPLA, visando 2026. O PT precisa admitir que, sozinha, a esquerda não chega lá, e melhor seria se associara esse amplo arco. Sem protagonis­mo petista. É exigir muito? Impossível? Sei lá. Um dos riscos que o Brasil correéo devir ater um governo teocrático. Os sinais estão por aí.

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VALTER CAMPANATO/AGÊNCIA BRASIL O presidente do STF, Luiz Roberto Barroso, o Presidente Lula e o ministro Flávio Dino e o presidente da Câmara, Arthur Lira

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