O pombo da paz
Nada como um golaço de voleio para o brasileiro exultar, levando a emoção futebolística a superar desencantos e desavenças
Ofato de a Copa do Mundo estar acontecendo, este ano, após o período eleitoral que mais uma vez rachou o Brasil ao meio, pode trazer efeitos benéficos. Depois de até a exibição da bandeira nacional e o uso da tradicional camisa canarinha serem alvos de discórdia, por apropriação política na campanha, o sorriso estampado no povo brasileiro não esconde o orgulho que, de certa forma, resgata uma identidade que se encontrava oculta, longe de ter sido perdida. A expressão de Nélson Rodrigues – a pátria de chuteiras – retorna em seu sentido unificador, coletivo, de gente apaixonada por futebol, irmanada no espelho do gramado em que a bola rola, e os craques desfilam sua maestria, para o encanto da brasilidade.
E nada como um golaço de voleio para o brasileiro exultar, levando a emoção futebolística a superar desencantos e desavenças. O gol de Richarlison, segundo dele na partida contra a Sérvia, na estreia da seleção no Catar, fez ecoar gritos e distribuir abraços de reconciliação, ainda que momentânea, em uma nação dividida. Querido e com perfil agregador, de origem humilde e destino grandioso, ativista social premiado por suas ações beneficentes na Inglaterra,
o camisa 9 da equipe de Tite surge como uma unanimidade inteligente, necessária, em um país de amizades desfeitas e laços familiares abalados por embates ideológicos. Se o futebol verde-amarelo não pode apagar a distância entre visões de mundo, ou revogar os radicalismos, ao menos durante a Copa é capaz de mostrar o prazer da convivência, apesar das diferenças.
E essa experiência tem tudo para ser marcante, transportando a paixão esportiva para uma melhor compreensão de posturas antagônicas de pessoas próximas, conterrâneas, indivíduos de mesma nacionalidade que repartem história, língua e cultura. A oportunidade na mistura de bandeiras e faces, proporcionada pelo campeonato mundial de futebol, é outro fator que contribui para a redução da intolerância, aqui dentro. A realização no Catar abriga contradições e incoerências que não se restringem à organização da Fifa, entidade máxima do futebol global, mas se espalham entre os países participantes, que desde a polêmica escolha da sede da copa de 2022 não exerceram a devida pressão a favor do respeito dos direitos humanos e da diversidade no primeiro país do Oriente Médio a receber o evento. Mas a reunião de africanos, asiáticos, europeus e americanos pode ser vivenciada e vista como um exemplo de que podemos fazer muito juntos, além de jogar bola.
No âmbito nacional, os brasileiros têm uma imensidade de desafios a enfrentar. Também juntamos as nossas contradições e incoerências internas, em território continental repleto de diferenças regionais e locais. O Brasil é a soma, e não, a divisão dos brasileiros. O magnífico gol de Richarlison nos devolve a alegria da coletividade que somos, em meio a dificuldades, restaurando a torcida em torno de um país melhor – e claro, pelo hexa na Copa do Catar.