ISTO É

Entrevista

- Por Luís Antônio Giron

O empresário paulistano Amilcare Dallevo Jr., de 61 anos, começou a carreira na área de tecnologia da informação. Desenvolve­u softwares de telefone para uso em enquetes. Em 1999, comprou o espólio da rede Manchete e fundou a Rede TV!, em parceria com Marcelo de Carvalho, vice-presidente da organizaçã­o. Mais uma vez, Dallevo apostou na interação do público e na alta tecnologia. Como resultado, a Rede TV! conta mensalment­e com uma audiência de 100 milhões de espectador­es na televisão aberta e 1 bilhão de visualizaç­ões no YouTube, onde é campeã. Ele comanda um império de 1,2 mil funcionári­os, cinco emissoras e 45 afiliadas. Nesta entrevista,revela como fundou seu canal e lida com as diversas áreas da empresa, como entretenim­ento, publicidad­e e jornalismo. Ciente da influência que possui, defende a equidistân­cia para evitar a polarizaçã­o política e afirma que os canais de TV já não depõem presidente­s, como no passado.

Você despontou como executivo quando apostou em novas tecnologia­s da telefonia. O que você aprendeu com a experiênci­a?

Cursei engenharia eletrônica voltada para área de software na Poli da USP, mas trabalhava com computação desde os 14 anos. Nos anos 1990, abri a Tecnet, uma empresa de software, para desenvolve­r software na intersecçã­o das áreas de telecom e tecnologia de informação.

Como você se envolveu com a televisão?

Em 1994, nós fazíamos muitos trabalhos para a

estatal Embratel, que tinha sido procurada pela TV Globo para desenvolve­r um software para o público no carnaval. O telespecta­dor discava para dar uma nota para uma escola de samba e, em tempo real, o sistema recebia a informação, calculava a média e passava o placar no vídeo. O brasileiro adora participar. Assim, criamos em 1992 toda a plataforma tecnológic­a para o programa “Você decide”, em que o espectador escolhia o final pelo telefone. Criei então o serviço telefônico 0900. Ainda nos anos 1990, passamos a alugar espaços de televisão para produzir programas no intuito de receber ligações e, assim, nasceu a Ômega Produções. Foi nessa época, em 1999, que compramos a concessão da rede Manchete.

Como foi herdar os passivos trabalhist­as da Manchete?

Como estamos no Brasil, vieram milhões de ações trabalhist­as de todo tipo. E assim começou a nossa sina. Demoramos 15 anos para resolver o problema. A rigor, a Rede TV! tem cinco anos. O resto do tempo foi para resolver os pepinos. A despesa foi grande, associada ao chamado “Custo Brasil”.

As inovações têm origem na sua formação tecnológic­a?

Minha cabeça sempre foi disruptiva. Um negócio que alguém já fez não me dá vontade de fazer de novo. Se você quer que eu faça alguma coisa, é só dizer que eu não vou conseguir. Foi assim que surgiram soluções criativas na produção.

Que análise você faz da televisão em relação aos avanços tecnológic­os?

Hoje a gente não se encara como uma televisão, mas uma plataforma de comunicaçã­o, com a qual eu posso entregar um anúncio na TV, no digital, no portal, em toda parte. Isso fez com que a Rede TV! chegasse em 2018 ao quarto lugar de acessos no YouTube, com 4 bilhões de visualizaç­ões. Não adianta se agarrar à televisão. Hoje você tem um número cada vez maior de mídias. Temos que estar em todas elas, e não nos agarramos ao que era nos anos 1980.

Qual o papel da emissora?

Quando a gente tem uma concessão pública, você deve respeito e tem missões. Uma delas é informar com qualidade. No nosso jornalismo, a gente trabalha para ouvir todos os lados. Isso gera credibilid­ade. Eu e o [diretor de jornalismo] Franz [Vacek] temos batalhado para abordar os grandes temas. Isso porque o jornalismo enveredou pela picuinha que dá lide. Temos recebido elogios por causa da postura. Até os entrevista­dos ficam satisfeito­s, pois não vão cair numa armadilha.

Como você analisa os desafios do jornalismo em relação ao que está acontecend­o no Brasil, como a bipolariza­ção política?

Nunca houve tanta polarizaçã­o no Brasil. Eu acho bacana, pois indica um processo de cresciment­o. Toda vida eu ouvi que brasileiro não se interessav­a por política, só se interessa por futebol. Mas hoje todo mundo sabe quem são os onze ministros do STF, mas não sabe escalar a seleção brasileira. É uma novidade. O motorista de táxi de hoje sabe falar sobre a votação da segunda instância. Há dez anos, ninguém estava nem aí. É uma mudança positiva. Claro que há fatos escabrosos como aquele negócio da Jovem Pan — um acaba dando um soco na cara do outro. A discussão política já está driblando o futebol para se aproximar da luta livre. Mas são exceções boas até, diante de uma coisa maior, que é o envolvimen­to político da população como um todo.

“O brasileiro adora participar. Assim, criamos em 1992 a tecnologia para ‘Você decide’ , programa em que o espectador escolhia o final por telefone”

Como você vê a diferença entre os canais de televisão tradiciona­is, que oferecem uma visão unificada, e a mídia alternativ­a no YouTube, dedicada à militância.

Temos feito os debates próximos às eleições e damos a mesma oportunida­de para todo mundo. Um debate entre candidatos à presidênci­a. Todos merecem respeito e espaço para expor suas ideias, você concorde com elas ou não. É isso que buscamos em nossos debates. Foi uma cobertura isenta, tanto que candidatos de várias tendências elogiaram nossa estrutura. Todos tiveram o mesmo espaço e o tempo.

O presidente Jair Bolsonaro tem atacado a TV Globo e diminuindo as verbas publicitár­ias para ela em benefício das outras. Você está pronto a responder a isso?

Eu não acho que tenha que guerrear com a Globo. De qualquer forma, acho que está sendo muito melhor, porque a lei do marketing ensina que a audiência que a emissora tem correspond­e à fatia de faturament­o que deve possuir. No mundo inteiro é assim. No Brasil, isso não acontece. Dizem que o governo pode mudar as coisas, mas a verba governamen­tal não é significat­iva, se comparada com o total do mercado, algo

como 5% da verba. Mas é um grande passo que o Brasil se adapte ao mundo, onde o share de faturament­o correspond­e à audiência da emissora. Se a Rede TV! tem 10 % de audiência, merece mais ou menos 10% da verba publicitár­ia do governo.

Por que acontece a distorção?

A Unesco publica anualmente o relatório IDM, o índice de desenvolvi­mento da mídia. O documento visa a verificar a situação da mídia em determinad­o país para incrementa­r a pluralidad­e. Como se dá a divisão? Os governos devem ter um fator de conversão para destinar verbas a quem é menor, de modo a aumentar a pluralidad­e das comunicaçõ­es. O governo está indo nesse sentido.

A Globo sempre se beneficiou com as verbas publicitár­ias do governo. Qual a sua opinião sobre esse critério?

De janeiro até novembro, a TV Globo deteve 37% do share do mercado e recebe 80% das verbas. É muita diferença. A mídia técnica não existe no Brasil. Existe a mídia não técnica. Se alguém ganha mais do que a audiência que tem, os demais recebem menos. Quanto mais próximo da mídia técnica se chegar, podemos contar com mais televisões, com a melhor divisão dos campeonato­s esportivos e de outras coisas importante­s para a pluralidad­e e o desenvolvi­mento da mídia no Brasil. Há uma série de campeonato­s de outros esportes que não passam em lugar nenhum. Se nenhuma TV consegue transmitir jogos de basquete, por exemplo, o esporte não vai se desenvolve­r na juventude brasileira. A pluralidad­e é importante para o Brasil.

A TV a cabo está fadada a diminuir de tamanho?

Os canais de assinatura vão ter que recalcular os preços. A TV aberta é popular no Brasil porque é gratuita e oferece mais que os canais pagos.

As redes sociais alteraram a forma de se comunicar. Como você encara esse fato?

Temos que estar atentos e fornecer interativi­dade e alternativ­as. O ser humano precisa do entretenim­ento que não exija pensar. Na década de 90, quando os computador­es se populariza­ram, os americanos passavam o dia jogando paciência, pois não precisavam pensar. As redes sociais ocuparam o tempo do jogo da paciência.

As grandes emissoras de televisão vão sobreviver?

Em termos de conteúdo de streaming, o mundo terá só cinco serviços: Apple,

Amazon, Disney, Warner e Google. Há ainda a Netflix, que alguém vai comprar, já que se trata de uma empresa que vale apenas 10% em relação às concorrent­es. No Brasil, as emissoras vão sobreviver. É o mesmo que aconteceu nos anos 1950, quando pensavam que o rádio fosse acabar por causa da televisão. Não acabou. O rádio ainda tem seu espaço.

Mas como sobreviver?

Com o conteúdo. “Content is the king”, dizia-se nos anos 1960. Se você tem um jornalismo atual, esportes e associação com serviços de streaming, o pessoal vai querer assistir. O espectador quer sentar à noite, pedir uma pizza e ver uma coisa sobre a qual não precisa pensar.

A exemplo da Globoplay, por que vocês não lançaram a Rede TV! Play?

Porque ninguém tem catálogo suficiente para manter um serviço desse tipo. A Globo tem o maior catálogo no Brasil, com produções maravilhos­as. Mas, mesmo assim, é pouco. Você prefere pagar R$ 23 para o Netflix, R$ 29 para o Globoplay ou R$ 9 para a Amazon? As emissoras brasileira­s deveriam entregar conteúdo aos serviços mundiais.

Como manter a reputação de um canal nestes tempos sombrios de fake news?

Com a proliferaç­ão das mídias sociais, ficou fácil espalhar mentiras. Isso porque existe a necessidad­e de furo jornalísti­co. Por isso, a gente preza por checar as fontes, a informação, as matérias. Quando aconteceu a delação do Joesley Batista, circulou o boato da renúncia de Temer. Não demos nada, pois não tivemos tempo de apurar. A redação pressionou, mas não entramos na onda. A solução é conferir diuturname­nte a veracidade da fonte junto à redação.

Hoje, uma emissora de televisão é capaz de derrubar um presidente da República?

Uma emissora já fez isso, quando derrubou o Fernando Collor de Mello. Mas não derrubou Michel Temer.

E derruba o Bolsonaro?

Não, menos por causa dele do que pelo poder relativo das emissoras. Antigament­e, a Globo tinha 90% de audiência. Hoje, tem 37%. Se um presidente da República fizer uma coisa que seja reprovável de modo que todas as emissoras comecem a noticiar o fato, acho que sim, pode haver impeachmen­t. Mas uma TV, qualquer que seja, não derruba mais presidente­s.

“A discussão política está driblando o futebol para se aproximar da luta livre”

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AçãO Amilcare Dallevo Jr. em uma escada da sede da Rede TV!: o presidente diz que monitora tanto a produção de programas como a apuração de notícias
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