Folha de S.Paulo

Autor lembra como criou super-herói nojento

Gilbert Shelton, cartunista americano criador dos ‘Freak Brothers’, abre coletânea com histórias de Wonder Wart-hog

- - Érico Assis O Melhor dos SuperHerói­s! Wonder Wart-hog Autor: Gilbert Shelton. Trad.: jotapê Martins. Ed.: Veneta. R$ 89,90 (168 págs.)

são paulo “Olhem! Lá no céu! É um pássaro”, berra um homem. “É um avião”, berra outro. Uma mulher interrompe e pergunta “vocês berram e apontam toda vez que passa um pássaro ou um avião?”. “O queéquetem­d etão especial ?”

Surge um outro, que reclama. “Cala a boca, dona! Era a minhadeixa­paragritar­feitoidiot­a ‘não, é o Wonder Wart-hog’. É tudo showbiz, entendeu?”

O quadrinho é de 1962. Gilbert Shelton tinha 22 anos e editava um revista de humor undergroun­d na universida­de dot ex as,n os estados unidos, quando publicou a primeira história dowonderwa­rt-hog. Ela abre a coletânea que acaba de sair do “melhor dos super-heróis”, como diz a capa.

Conforme o narrador da HQ, o “Javali-maravilha” ou “Porco-de-verrugas-maravilha” é “um javali nascido e criado nessas bandas, mais inteligent­e do que a maioria de sua espécie eque combate o crime pela única razão sensata para tanto”. Quem completa a frase é o próprio Wart-hog. “Tem grana na jogada, veio!”

Fama e mulheres também motivamo não herói. Na primeira história, em seguida, detém assaltante­s de banco e ficaco modinheiro do roubo.

Quando não está combatendo ou corroboran­do o crime, ele disfarça o focinho e as orelhas e se veste de humano. O javali vira Philbert Desanex, pacato funcionári­o de um jornal onde sempre há alguém gritando“parem as rotativas” porque elas fazem muito barulho ou porque alguém caiu no meio das máquinas.

O trabalho na imprensa também leva Desanex-wart-Hog a acompanhar policiais corruptos, políticos sacanas e a sociedade degradada em geral. Filho do undergroun­d dos anos 1960, o deboche dos super-heróis tem uma veia crítica e contracult­ural forte.

Nesta entrevista, Shelton diz que bolou seu “Javali de Aço” quando estava caminhando pela Sexta Avenida de Nova York, durante um breve período que morou na cidade.

“A ideia simplesmen­te me surgiu”, ele escreve de próprio punho. as perguntas da entrevista foram enviadas por emaile as respostas—bem c urtas—forames cri tasco magrafia“s helton ian a”,depoisdigi­t alizadas e enviadas. S helton está com 84 anos e andava com problemas coma internet.

Ele leu super-heróis quando criança? “Superman e Batman. Mas fui mais influencia­do pelas tiras de jornal, ‘Dick Tracy’, ‘Ferdinando’, ‘Jack do Espaço’.” Cresceu com javalis? “Eu tinha um dicionário que mostrava um ‘wart-hog’. Não há ‘wart-hogs’ nas Américas!”

A revista Mad, apontada por muitos da geração de Shelton como a leitura que os levou a pensar de forma subversiva, teve o mesmo efeito sobre ele.

Robert Crumb, Art Spiegelman e Alan Moore lembram “Superduper­man”, a paródia do Superman que saiu na terceira edição, como uma explosão que mudou todos os gibis de heróis que haviam lidoa té então, os quele riamd aliem diante e,é óbvio, os que eles mesmos iam produzir.

“Foi exatamente naquele momento”, Shelton escreve, confirmand­o que teve a mesma experiênci­a dos colegas. “Na Mad Comics número três. Eu tinha apenas 12 anos.”

Os Freak Brothers, os hippies bigodudos que ele criou em fins da década de 1960, acabariam fazendo mais sucesso que Wonder Wart-hog. Porém, os editores continuava­m pedindo mais histórias do “bicho nojento” —palavras do autor—, que o acompanhou ao longo da carreira tanto quanto os maconheiro­s.

É uma carreira, aliás, que não ficou restrita só aos Estados Unidos. Depois de visitas àeurop anosa nos 1970 e 1980, e de sentira receptivid­adedos leitores e editores franceses e es pan hóis,shel tone a mulher resolveram emigrar. neste ano, completam 40 anos de Paris.

Ele não parece muito interessad­o em falar de política, seja do seu país natal ou do país de adoção. Uma HQ do Wonder Wart-hog de hoje poderia zoar com Trump? Com Biden? Ou com Macron e Jordan Bardella? “Acho que eles vão ser esquecidos em pouco tempo. Quem ainda se lembra de Richard Nixon?”

E o Javali-maravilha ia mexer com assuntos espinhosos, como Israel? Direitos das mulheres? Controle de armas de fogo? A ultradirei­ta? “Todos esses. Ao mesmo tempo.”

Eleé om esmo S helton que assinou a capa de “Radical America Komiks”, uma publicação do grupo Estudantes porumasoci­edadedemoc­ráticaem19­69.acapaestán­acoleção de “Wonder Wart-hog”. O que ele considera radical nos Estados Unidos de hoje? “Donald Trump, acho eu.”

Shelton e Robert Crumb estiveram no Brasil em 2010 para a Festa Literária Internacio­nal de Paraty, a Flip, no litoral fluminense, e uma rápida passagem por São Paulo. As mesas de debate e as sessões de autógrafo com os dois viraram lendas, um momento especial para fãs brasileiro­s.

Foi mais ou menos por essa época que ele deu sua última entrevista à imprensa brasileira. Quando questionad­o sobre conselhos para novos quadrinist­as, disse “arrume um emprego de dia e escreva quadrinhos à noite”. “Porque é quase impossível viver de quadrinhos até ter reputação.”

Octogenári­o, aposentado da longa carreira nos quadrinhos, com fãs no mundo todo, Shelton é publicado continuame­nte —e adaptado. “Freak Brothers” virou série de animação nesta década. O seriado já teve duas temporadas, disponívei­s no Brasil no Globoplay. “Wonder Wart-hog” ainda não teve a mesma sorte em outras mídias, ele diz.

Mesmo sendo essa referência, ele mantém o conselho aos jovens que querem fazer quadrinhos? É ares posta que ele dá em maiúsculas. “Sim.”

 ?? Divulgação ?? O personagem Wonder Wart-hog, de Gilbert Shelton
Divulgação O personagem Wonder Wart-hog, de Gilbert Shelton

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil