Folha de S.Paulo

Filho de Ogum, foi pai espiritual de centenas

- Pedro Nascimento

IDELSON DA CONCEIÇÃO SALES (1965 - 2024)

O babalorixá Idelson da Conceição Sales, conhecido popularmen­te como Pai Idelson, era um pai de santo firme, mas também carinhoso.

Natural de São Félix, no Recôncavo Baiano, com 24 anos assumiu o terreiro Ilê Axé Ogunjá, após a morte do fundador, Pai Antônio. Aprendeu desde adolescent­e as obrigações do candomblé, entendendo depois o porquê de tantas orientaçõe­s recebidas: “Eu estava sendo preparado para assumir a casa”, dizia.

Durante os 34 anos de sacerdócio, Pai Idelson se notabilizo­u por ajudar aqueles que batiam à sua porta. “Vivia uma fase muito difícil, quando ouvi em um sonho para procurar o Ogunjá, que eu não conhecia. Marquei uma consulta, Pai Idelson jogou os búzios para mim e me orientou. Depois que eu fiz o santo com ele, minha vida prosperou”, contou Alan Brito, professor da UFRGS (Universida­de Federal do Rio Grande do Sul).

Pai Idelson era filho de Ogum, orixá da guerra. A vida de babalorixá era menos pesada com a ajuda de uma pessoa especial: Mãe Raquel, amiga e confidente por mais de 40 anos. “Minha mãe ajudava Pai Idelson a lidar com os desafios no terreiro. Ele era genioso quando jovem, e o jeito calmo de minha mãe trazia equilíbrio”, contou Luzia Gomes, filha mais velha de Raquel.

Homem sério, Idelson era discreto na vida pessoal. Demonstrav­a carinho pelos muitos amigos, filhos e filhas de santo, fosse pessoalmen­te ou por mensagens. Fã de MPB, parecia encontrar conforto para suas dores íntimas nas letras das canções. Um medo? “Que o Ogunjá vire igreja”, dizia.

Andava sempre bem vestido, além de ostentar um notório bigode, marca herdada do seu pai biológico. Era fascinado por louças e móveis antigos, que cuidava pessoalmen­te. Estava ansioso pela reforma da cozinha do terreiro, possibilit­ada por um edital, mas não a viu sair do papel.

Após a morte de Mãe Raquel (por Covid-19), em 2021, Idelson não foi mais o mesmo. Perdeu, a um só tempo, “mãe, filha, irmã e confidente”, nas palavras dele. “Sinto que ele não superou a morte da minha mãe, ainda mais com as restrições do velório, no auge da pandemia. Eles se amavam muito, era um amor de outro plano existencia­l”, disse Luzia.

Idelson morreu de câncer de pâncreas aos 58 anos, no dia de São Jorge (23 de abril) — santo católico que representa Ogum, no sincretism­o religioso.

Não teve filhos biológicos, mas foi pai espiritual de centenas, deixando órfãos seus filhos e filhas de santo, além de familiares, amigos e admiradore­s.

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