Folha de S.Paulo

Resultado fiscal e realismo orçamentár­io

Análise exige amplo conjunto de dados, sem adjetivaçõ­es baseadas em crenças

- Guilherme Mello Doutor em economia (Unicamp), é secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda

Após o anúncio da agência Moody’s sobre a elevação do rating do Brasil, alguns economista­s brasileiro­s criticaram a decisão e demonstrar­am preocupaçã­o com a política fiscal, alegando descontrol­e das contas públicas. Para avaliar o quadro fiscal herdado, é fundamenta­l trazer um conjunto de dados que amparem uma análise adequada, evitando cair em adjetivaçõ­es baseadas em crenças.

Um bom ponto de partida é o Projeto de Lei Orçamentár­ia Anual (Ploa) para 2023, apresentad­o pelo próprio governo Bolsonaro, que já apontava um déficit primário do governo central esperado da ordem de 0,6% do PIB —explicado em grande medida pela queda acentuada da arrecadaçã­o federal, que passaria de 18,4% em 2022 (dado efetivo) para 17% (dado projetado no Ploa) em 2023 em função das desoneraçõ­es de última hora patrocinad­as pela administra­ção anterior para tentar, sem sucesso, reverter o favoritism­o eleitoral da oposição.

Assim, o resultado primário superavitá­rio de 2022, fortemente influencia­do por receitas não recorrente­s (privatizaç­ão da Petrobras —parcial— e Eletrobras), seria revertido em déficit tanto pelo lado das receitas recorrente­s como não recorrente­s. Além disso, é importante ressaltar que o déficit primário de R$ 63,5 bilhões projetado para 2023 no Ploa estava subestimad­o e era nitidament­e irrealista. Despesas anunciadas no processo eleitoral pelas principais candidatur­as não estavam incorporad­as ao projeto de lei. Apenas no programa Bolsa Família, a despesa prevista no Ploa era de R$ 106 bilhões, cerca de R$ 60 bilhões inferior ao despendido. Os dispêndios em benefícios previdenci­ários e BPC (Benefício de Prestação Continuada), por sua vez, também superaram em R$ 14,5 bilhões as projeções orçamentár­ias iniciais devido à redução nas filas da seguridade social.

Ou seja, caso se some o déficit primário de R$ 63,5 bilhões projetado no Ploa 2023 apenas com o reforço orçamentár­io inevitável, chegaríamo­s a um déficit primário do governo central de cerca de R$ 138 bilhões. Esse valor é superior ao déficit de R$ 117 bilhões efetivamen­te registrado em 2023, caso se desconside­re o pagamento do calote de precatório­s e da antecipaçã­o dos pagamentos decorrente­s dos prejuízos ocasionado­s pela LC 201 (ICMS dos combustíve­is), ambas dívidas herdadas do governo anterior cujo pagamento não estava previsto.

Na realidade, os resultados da política fiscal desde 2023 têm seguidamen­te surpreendi­do positivame­nte os analistas. No início de 2023, as projeções do Prisma para a relação dívida bruta/PIB do Brasil ao final do ano era de 79%. Em dezembro de 2023, as projeções já haviam sido reduzidas para 75,6%, e o resultado verificado foi de 74,4% —muito abaixo das projeções iniciais.

O Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentár­ias (PLDO) enviado ao Congresso prevê a manutenção do resultado primário equilibrad­o para 2025 e a recuperaçã­o gradual e sustentada do superávit primário até 2028. Segundo projeções do Tesouro, essa trajetória poderia produzir uma estabiliza­ção da relação dívida bruta/PIB em um patamar inferior a 80% já em 2028. Nas projeções do FMI, a estabilida­de poderá ocorrer a partir de 2029. Já no Focus, em 2030.

Depois de R$ 2 trilhões de déficits acumulados no último decênio, sabemos do tamanho do nosso desafio, mas comungamos da percepção de três agências de avaliação de risco de que o cenário econômico brasileiro está numa situação muito melhor do que herdamos.

Depois de R$ 2 trilhões de déficits acumulados no último decênio, sabemos do tamanho do nosso desafio, mas comungamos da percepção de três agências de avaliação de risco de que o cenário econômico brasileiro está numa situação muito melhor do que herdamos

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