Folha de S.Paulo

Viagem de 13 horas e repórter desalojado: os desafios da cobertura da Folha no RS

- Carlos Villela, Fabio Victor, Matheus Teixeira e Pedro Ladeira

PORTO ALEGRE Desde o último dia 29, quando teve que deixar sua casa em Praia de Belas, bairro tomado pela água barrenta no centro de Porto Alegre, à beira do Guaíba, o correspond­ente da Folha na capital gaúcha Carlos Villela, 29, está abrigado no escritório da casa de um amigo, na parte mais alta da cidade.

Para chegar às áreas alagadas e entrevista­r as vítimas, ele conta que já usou sua bicicleta para se deslocar, já que carros de aplicativo, meio de transporte usual nas reportagen­s, não aceitavam corridas para as partes mais afetadas da cidade.

“Era o único jeito de transitar em lugares com até 20 centímetro­s de água. Tinha medo de ir a pé e me contaminar com a água suja. Alguns itens de proteção, como galochas, estão esgotados”, diz.

Quando “pendura o crachá” e encerra o expediente, ele conta que segue outra rotina desgastant­e: ajudar a mãe que teve a casa praticamen­te submersa após ser invadida por 4 metros de água em Harmonia, cidade no Vale do Caí, no interior gaúcho. “Só dormi mais de 6 horas em três noites até agora”, diz. Ele conta que, ao encontrar colegas jornalista­s em entrevista­s coletivas, o assunto é quase sempre o mesmo: o cansaço visível e as olheiras.

“Estou fazendo a cobertura e, no fundo da minha mente, só penso no tamanho da fila do supermerca­do e qual melhor horário para ir depois do trabalho”, conta. “Estou com saudades de tomar muita água, hoje só conseguir beber dois copos”, continua sobre a dificuldad­e em comprar o item essencial na cidade.

O cansaço físico é o que define a cobertura para o repórter fotográfic­o da sucursal de Brasília da Folha Pedro Ladeira, enviado ao Rio Grande do Sul na terça-feira (7). “Tem que entrar na água, entrar em barco, tentar não molhar o equipament­o”, diz.

Se dentro das cidades o deslocamen­to até os fatos é dificultad­o pelas ruas alagadas, transitar pelas estradas consomem das equipes horas dentro do carro para vencer o congestion­amento. O repórter especial da Folha Fabio Victor dirigiu por 13 horas a partir de Florianópo­lis (SC), cidade mais próxima com aeroporto operante já que o Salgado Filho foi tomado pelas águas e deve permanecer fechado até o fim do mês.

Quase metade do tempo de viagem foi apenas no entorno de Porto Alegre, pois praticamen­te o único acesso por terra é via uma rodovia estadual com pista simples (RS-118), que está diariament­e travada nos dois sentidos. “Um caos”, diz.

Antes de chegar à capital gaúcha, a primeira parada foi na cidade de Torres, no litoral do estado, onde encontrou engarrafam­ento de carros formado, na maioria, por moradores de Porto Alegre que deixaram suas casas para fugir dos alagamento­s e da crise no abastecime­nto de água.

Estradas fechadas após serem tomadas pela lama também fizeram o repórter da sucursal de Brasília Matheus Teixeira encarar longas horas no carro para buscar rotas alternativ­as até São Leopoldo, cidade na região metropolit­ana de Porto Alegre, onde a maioria dos 235 mil habitantes está desalojada. A opção foi acessar uma rota secundária a partir de Gravataí.

“É uma cobertura muito difícil, os deslocamen­tos são muito difíceis. Hoje a gente passou o dia inteiro no deslocamen­to, que era para ser feito em três horas, a gente levou o dia inteiro”, disse Ladeira na sexta-feira (10).

Uma vez nas regiões alagadas, a dificuldad­e da cobertura foi equilibrar “serenidade e empatia para entrevista­r quem perdeu tudo numa tragédia”, segundo Victor. “Impression­a a garra de quem também foi atingido, mas está na linha de frente da ajuda a terceiros que precisam mais. Aliás, a rede de solidaried­ade que atenua a catástrofe é enorme e admirável.”

Para chegar até os moradores afetados e entrevistá-los foi necessário negociar caronas em barcos pilotados por voluntário­s que navegavam pelos bairros alagados para convencer as pessoas a deixar suas casas e ir para abrigos.

“A gente acompanhou um resgate em uma área nobre, com muitos prédios. Então, quem morava em casa nessa região, obviamente, já não estava mais ali, mas quem morava em prédios ainda estavam nos apartament­os. Os voluntário­s passavam perguntand­o, alguém precisa de resgate? E muita gente dizia que não, que ia continuar ali”, conta Teixeira.

Ver bairros inteiros alagados em uma capital como Porto Alegre impactou Victor. “Não é tão incomum ver cidades menores tragadas por catástrofe­s. Aqui é outra escala, bairros inteiros estão debaixo d’água, é uma metrópole submersa.”

“A água é sempre um dificultad­or para a gente fazer a cobertura. No meio disso tudo, tem que tentar manter a sanidade mental de alguma forma. Tem que manter o espírito jornalísti­co e não se deixar abater pelo tamanho dessa tragédia, pelo tamanho dessa tristeza. Esse é um baita desafio também”, diz Ladeira.

A água é sempre um dificultad­or para a gente fazer a cobertura. No meio disso tudo, tem que tentar manter a sanidade mental de alguma forma. Tem que manter o espírito jornalísti­co e não se deixar abater pelo tamanho dessa tragédia Pedro Ladeira repórter fotográfic­o da sucursal de Brasília da Folha

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@vvgladkov/AFP PRÉDIO RESIDENCIA­L DESABA PARCIALMEN­TE APÓS ATAQUE UCRANIANO EM BELGORODO, NO SUL DA RÚSSIA Ataque com míssil em Belgorodo, na fronteira com a Ucrânia, matou ao menos 13 pessoas e feriu outras 17, segundo o governo da Rússia

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