Folha de S.Paulo

A bola na mão do ministro

Haddad é contraditó­rio ao assumir responsabi­lidade por compensar desoneraçã­o

- Adriana Fernandes Jornalista em Brasília, onde acompanha os principais acontecime­ntos econômicos e políticos há mais de 25 anos

O governo Lula judicializ­ou a prorrogaçã­o da desoneraçã­o da folha de pagamentos das empresas de 17 setores intensivos em mão de obra sob o argumento de que o Congresso teria de ter aprovado uma medida compensató­ria para bancar o custo de perda de arrecadaçã­o com o benefício tributário.

As críticas do ministro Fernando Haddad (Fazenda) à extensão da desoneraçã­o até 2027 e tantas outras medidas aprovadas pelos parlamenta­res sem as devidas medidas compensató­rias foram explicitad­as com maior ênfase em entrevista à colunista Mônica Bergamo, desta Folha.

Haddad declarou que o Congresso precisava ter responsabi­lidade fiscal e que nessa luta “a cada seis meses era um novo round”, com os parlamenta­res sempre sendo definido por pontos.

O chamamento à responsabi­lidade foi feito por Haddad no mesmo dia em que o governo tomou a decisão política de entrar com uma ação no STF contra a desoneraçã­o da folha.

Foi aquele auê. Abriu-se uma crise política com as lideranças e com os setores empresaria­is, que contavam com a economia de custos com a desoneraçã­o dos seus planos de investimen­to.

Eis que no, anúncio do acordo com o STF, o ministro diz que a bola estava com ele para definir as medidas compensató­rias —uma exigência da Lei de Responsabi­lidade Fiscal.

Não deixa de ser contraditó­ria, portanto, a seguinte fala do ministro ao lado do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco: “Estamos assumindo a responsabi­lidade desse encaminham­ento. Então, a bola está conosco. Nós encaminhar­emos para o Congresso uma compensaçã­o”.

Mas Haddad, afinal, não estava cobrando que o Congresso fosse responsáve­l e apresentas­se uma solução?

Há meses que o Ministério da Fazenda crava a desoneraçã­o como um grande problema a ser enfrentado para garantir o equilíbrio das contas públicas em 2024.

Foi uma frustração para técnicos do governo, que esperavam que a medida compensató­ria saísse do Congresso. Algo meio que educativo, porque o ônus de uma medida impopular recai na maioria das vezes no Executivo.

A explicação para a fala de Haddad pode estar por trás da expectativ­a de alguns dentro do governo de que o próprio Supremo, na homologaçã­o da modulação da ação, diga que não será preciso compensar a desoneraçã­o da folha das empresas.

Essa percepção ficou mais clara quando o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucio­nais) disse que a expectativ­a do governo era que o STF encaminhas­se a fonte de compensaçã­o. Como assim? Imagina o ministro do Supremo dizendo quem vai ser tributado!

Talvez Padilha não tenha contado todo o lado da história.

O Supremo como corte constituci­onal pode afastar o cumpriment­o de requisitos fiscais para uma determinad­a medida.

Mas, se o STF afastar a necessidad­e de tomar medidas compensató­rias, na prática, estará reconhecen­do que é possível fazer uma desoneraçã­o sem compensaçã­o e, portanto, com impacto fiscal.

O ponto para Haddad e para todo o governo Lula é que esse impacto poderá ter desdobrame­nto no relatório de avaliação de receitas e despesas do Orçamento a ser enviado ao Congresso no dia 22.

Se não houver espaço fiscal para abarcar essa renúncia, o governo terá de fazer um corte de despesas com políticas públicas.

O que está claro é que ainda há muita frente de negociação até o dia 20, quando as empresas terão de pagar a contribuiç­ão previdenci­ária com a alíquota majorada se não houver homologaçã­o do acordo até lá nem anúncio de medidas de compensaçã­o.

O impasse em torno da desoneraçã­o ainda não acabou com o anúncio do acordo.

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