Documentário explora a perspectiva maternal em diferentes religiões
‘Elas, Divinas’ destaca personagens como Alexya Salvador, mãe e pastora evangélica trans pioneira na América Latina
A feminista bell hooks diz que pensadores fundamentalistas manipulam a religião para sustentar ideais como o imperialismo, o machismo, o racismo e a homofobia. E que essas interpretações distorcem a essência das tradições religiosas, que, no fundo, promovem uma mensagem unificadora de amor, negligenciada por esses pensadores —no geral, homens no topo das instituições.
As células da ICM, as Igrejas da Comunidade Metropolitana, rede global de comunidades protestantes conhecidas pelo progressismo e pela aceitação LGBTQIA+, são um exemplo que busca mudar essa realidade.
Entre os representantes da instituição está Alexya Salvador, a primeira pastora transgênero da América Latina e uma das protagonistas do documentário “Elas, Divinas”, produção que destaca a visão feminina, principalmente mães, em espaços religiosos.
Outras figuras, como a budista Elka Andrello, a muçulmana Fabiola Oliveira, a umbandista e candomblecista Cláudia Alexandre e a rabina Fernanda Tomchinsky-galanternik, completam esse mosaico.
“A religião precisa ser reformulada, porque não cabe mais o capitalismo como motor que suga as pessoas, as usa e deixa de lado”, afirma Salvador.
Ela relata uma transformação pessoal após descobrir uma igreja que a aceitou e se juntar a ela. Durante a juventude e de um tempo como seminarista, enfrentou rejeição e opressão no catolicismo. “Diziam que eu era uma aberração, que Deus não me amava e que eu ia para o inferno”, diz.
Ao entrar na ICM, encontrou um espaço acolhedor que reconheceu sua humanidade e identidade de gênero. “Tentei o suicídio três vezes. Era para eu ser estatística, não uma referência. Foi fundamental estar numa igreja afirmativa das sexualidades, das identidades, para que eu também pudesse me curar.”
O documentário reflete sobre a importância das mulheres transformarem espaços masculinos de forma coletiva.
As personagens de “Elas, Divinas” tomaram decisões que rompem com tradições familiares, seja adotando uma nova religião, se aprofundando em uma já existente ou criando suas próprias práticas.
“É um caminho que vemos na sociedade, de uma religião menos dogmática, mais profunda, ao mesmo tempo que é comunitária”, afirma a apresentadora Juliana Wallauer.
As mulheres também são representadas como exemplo em suas famílias. Por ser uma trans, Salvador vê uma pressão para reafirmar sua maternidade para a sociedade.
“Eu não tenho que afirmar ou reafirmar nada para ninguém, mas estou sempre em alerta por compreender que, devido ao avanço desse clima de perseguição às LGBTS, da desvalorização da mãe e da mulher, todo dia devo estar de sobreaviso. Existe uma parcela significativa de pessoas que ainda não aceitaram a dimensão da maternidade travesti.”
Elas, divinas brasil, 2024. Dir.: Tuca Paoli. Apresentação: Juliana Wallauer. Dom. (12), às 23h, no canal Lifetime