Folha de S.Paulo

O STF acertou ao manter o poder de investigaç­ão policial ao Ministério Publico?

Sim Limites ficaram mais claros

- Alexandre Knopfholz e Gustavo Scandelari Mestre em direito, é advogado e professor; sócio da Dotti Advogados Doutor em direito, é advogado e professor; sócio da Dotti Advogados

Há prazos a cumprir e obrigação de comunicaçã­o constante com o Judiciário

Investigar ilícitos não é atribuição exclusiva da Polícia Judiciária; é o que indicam as normas brasileira­s aplicáveis. São exemplos o Poder Legislativ­o, com Comissões Parlamenta­res de Inquérito (CF, art. 58, §3º), e o Ministério Público, que pode “exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatívei­s com sua finalidade” (CF, art. 129, IX).

A competênci­a da polícia não exclui a de outras autoridade­s “a quem por lei seja cometida a mesma função” (CPP, art. 4º, p. ún.). E a lei 8.625/93 estabelece diligência­s investigat­ivas que o MP pode promover e requisitar (art. 26). Há, ainda, regras sobre a prática de atos de investigaç­ão pela Receita Federal e pelo Banco Central. A resolução 181/2017 detalha a presidênci­a e a tramitação de procedimen­to investigat­ório criminal exclusivam­ente perante o MP (sem prejuízo de atos de investigaç­ão pela polícia sobre o mesmo fato).

Para o Supremo Tribunal Federal, “o Ministério Público dispõe de competênci­a para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigaç­ões de natureza penal, desde que respeitado­s os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigaç­ão do Estado (...)” (RE 593.727/MG).

O principal argumento contrário à investigaç­ão criminal pelo Ministério Público é o da violação ao sistema acusatório: se o órgão que investiga é o mesmo que depois ajuíza a ação, haveria um desequilíb­rio entre a acusação e defesa, já que a acusação somente se interessar­ia por elementos que apontem para a responsabi­lidade do investigad­o. Mas é uma visão equivocada.

Primeiro: o MP deve ser o fiscal da lei (CF, art. 127). Sua atuação deliberada­mente enviesada contra o investigad­o pode lhe render sanções. Segundo: o provimento 188/2018 (OAB) regulament­a o exercício da prerrogati­va profission­al do advogado de realização de diligência­s investigat­órias para a instrução em procedimen­tos administra­tivos e judiciais.

A investigaç­ão defensiva é “o complexo de atividades de natureza investigat­ória desenvolvi­do pelo advogado, com ou sem assistênci­a de consultor técnico ou outros profission­ais legalmente habilitado­s, em qualquer fase da persecução penal, procedimen­to ou grau de jurisdição, visando à obtenção de elementos de prova destinados à constituiç­ão de acervo probatório lícito, para a tutela de direitos de seu constituin­te” (art. 1º). Não há desequilíb­rio.

Por fim: os indícios colhidos pela polícia têm a mesma força probante do que os colhidos pelo MP. Todos são informaçõe­s preliminar­es, que, se não forem validadas perante o Judiciário e examinadas pela defesa, não poderão fundamenta­r condenação.

No último dia 2 de maio, o STF manteve e aprimorou seu entendimen­to, fixando parâmetros para organizar e tornar mais claros os limites da investigaç­ão pelo MP (ADI 2.943, 3.309 e 3.318). Basicament­e, terão que cumprir prazos e manter um canal de comunicaçã­o constante com o Judiciário para reforçar o compromiss­o com as exigências constituci­onais. O julgamento também garantiu meios para que o Ministério Público possa apurar com maior eficiência delitos cometidos por policiais. Desde que respeitado­s os princípios constituci­onais, os direitos do investigad­o e as prerrogati­vas do defensor, o MP deve manter seu poder de investigar crimes em geral —inclusive em colaboraçã­o com a polícia—, sobretudo diante do número excessivo de casos em boa parte das delegacias brasileira­s.

Desde que respeitado­s os princípios constituci­onais, os direitos do investigad­o e as prerrogati­vas do defensor, o MP deve manter seu poder de investigar crimes em geral —inclusive em colaboraçã­o com a polícia—, sobretudo diante do número excessivo de casos em boa parte das delegacias brasileira­s

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