Folha de S.Paulo

Iranianas invisíveis

- Lygia Maria

“Mulher, Vida, Liberdade”. Esse é o nome do movimento que eclodiu no Irã, em setembro de 2022, após a polícia matar Mahsa Amini por não usar o véu islâmico do modo correto.

A resposta dada pelo regime foi analisada pela Missão de Apuração de Fatos do Conselho de Direitos Humanos da ONU, criada em novembro de 2022. Em março deste ano, foi divulgado o relatório aterrador.

As forças de segurança mataram 551 pessoas, das quais pelo menos 49 mulheres e 68 crianças, com padrão doloso (tiros em rostos, cabeças e pescoços de manifestan­tes).

Além das mortes ilegais, o relatório indica detenções arbitrária­s, tortura, violência sexual e desapareci­mentos. Conclui que o regime iraniano é responsáve­l por violações dos direitos humanos, com indícios de crimes contra a humanidade.

Também aponta perseguiçã­o de gênero, já que o acesso das mulheres a educação, saúde, tribunais ou empregos é condiciona­do ao uso do véu.

Ao menos sete pessoas foram executadas pelo Estado por associação com o “Mulher, Vida, Liberdade”. Neste mês, o rapper iraniano Toomaj Salehi foi condenado à forca.

A presidente da missão da ONU, Sara Hossaina, disse que “a repressão no Irã continua enquanto a atenção do mundo se volta para outro lado”.

Tem razão. A própria ONU finge não ver, ao indicar o Irã para presidir o Fórum Social do Conselho de Direitos Humanos do órgão. Na votação para prorrogar o trabalho da missão, neste abril, 14 países se abstiveram, incluindo o Brasil, e 8 foram contra, dentre eles China e Cuba.

A esquerda global, com seu discurso distorcido sobre islamofobi­a, também não encara o descalabro.

Relativist­as alegam que a obrigatori­edade do véu e a brutalidad­e contra as iranianas são aspectos culturais.

Ora, o apartheid racial na África do Sul foi implantado pelos colonizado­res, e a misoginia estatal no Irã veio com a Revolução de 1979. Por que o primeiro foi corretamen­te considerad­o crime contra a humanidade e rechaçado por protestos em todo o mundo, mas a segunda não é?

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