Folha de S.Paulo

Igrejas evangélica­s apostam em parede preta para atrair fiéis

Visual auxilia também transmissõ­es online, além de evitar distrações

- Melina Cardoso

Paredes pretas, música alta, fumaça, muitas luzes e casa cheia. Assim estava o Vilaggio JK, na Vila Olímpia, em São Paulo, na noite de domingo de Carnaval. Telões laterais exibiam a apresentaç­ão da banda no palco. Mas, no lugar de um show, acontecia um culto evangélico.

E tem sido assim todos os domingos, pelo menos quatro vezes ao dia, na Hillsong. A igreja fundada nos anos 1980 na Austrália chegou ao Brasil em 2016 e, hoje, vê seu estilo sendo replicado por diversas outras igrejas.

Entre elas, em São Paulo, há a Paz Church, a Family Church e a Igreja Central. Há outras espalhadas pelo país, como Brasa Church (em Porto Alegre), Batista Atitude (no Rio de Janeiro), Fhop (em Florianópo­lis), Igreja no Cinema (em Curitiba) e Batista Capital (em Brasília).

Na Hillsong, o culto é bastante dinâmico. Há uma abertura, o momento do louvor, oração, leitura de breves testemunho­s, oferta, ministraçã­o da palavra, recados finais, mais música e saudação de despedida. Vídeos e projeções são usados o todo tempo.

A disseminaç­ão desse modelo foi tema de pesquisa da antropólog­a Cristina Rocha e hoje compõe o livro “Cool Christiani­ty” (Editora Universida­de Oxford), ainda sem tradução para o português. A autora, que é diretora do grupo de pesquisas sobre religião e sociedade da Western Sydney University, na Austrália, explica que, na Hillsong, o formato é uma estratégia para atrair jovens ou pessoas descontent­es com o conservado­rismo das igrejas. “Porém, a mensagem da Bíblia e de Jesus continua a mesma”, diz.

Rocha explica que a Hillsong pode ser definida como neopenteco­stal carismátic­a. “As igrejas neopenteco­stais abraçam a cultura contemporâ­nea: usam marketing e meios de comunicaçã­o modernos e muitas vezes têm uma ênfase na cura divina, na prosperida­de, sucesso e felicidade neste mundo”.

Segundo a pesquisado­ra, usar paredes pretas e luzes direcionad­as ao palco —e não à plateia, como faz a Hillsong— aflora emoções, além de oferecer privacidad­e, como numa sala de cinema.

Vinda de uma igreja evangélica mais tradiciona­l, a empresária Edenilce Faverin, 45, diz ter ficado em choque quando entrou no salão da Igreja Central, no Bom Retiro, em São Paulo. “Tomei um susto, foi impactante ver paredes escuras e tanta fumaça.”

Para os mais místicos, a fumaça simboliza a presença de Deus, descrita em textos bíblicos como Êxodo ou Apocalipse. Na prática, apenas realçam as luzes e ampliam a qualidade das transmissõ­es online, como conta o líder da Igreja Central, pastor Isac Filho, 39.

Ele explica que sua igreja segue a linha “pentecosta­l independen­te”. Pentecosta­l porque acreditam na manifestaç­ão do Espírito Santo, mas independen­te porque não há a orientação para homens usarem terno e gravata nem para mulheres vestirem saia longa ou não cortarem os cabelos —algo comum nas pentecosta­is tradiciona­is, como Deus é Amor ou Assembleia de Deus, nas quais as paredes, em geral, são bem mais claras.

Na Igreja Central há muitas famílias e os membros têm idades variadas. Já na Hillsong, há muito mais jovens, vários deles tatuados, inclusive.

Todas as denominaçõ­es citadas neste texto utilizam redes sociais para propagar seus conteúdos —após a pandemia de Covid-19, muitas igrejas só conseguiam divulgar sua mensagem pela internet. Com a possibilid­ade de alcançar cada vez mais gente, as que financeira­mente podem investem pesado nesses artifícios técnicos para atrair fiéis.

Quando a fumaça abaixou, Edenilce contou que se acostumou com o ambiente bem mais escuro. “Hoje me sinto mais à vontade para me emocionar, orar e louvar sem me preocupar se estou sendo observada”, afirma.

Porém não são todos os evangélico­s que veem essa escuridão toda com bons olhos.

Para o pastor presbiteri­ano Marcos Botelho, que tem uma igreja na capital paulista, mesmo entendendo a estratégia, há um perigo em valorizar-se mais o meio que a mensagem. A Igreja presbiteri­ana é uma denominaçã­o histórica, muito tradiciona­l, na qual os louvores são mais baixos e as paredes também são mais claras.

Botelho diz temer que o excesso de aparatos, como luzes e sons, tome o lugar central de Cristo na igreja.

“A grande atração é a mensagem e não a estética. Temos que expor a palavra de Deus e ver como o Espírito Santo pode agir através de nós para que pareçamos cada vez mais com Cristo”, diz.

O pastor Isac Filho afirma que, “como qualquer coisa neste mundo, a estrutura da igreja também evolui. Mas sempre fomos convictos de que isso jamais mudaria a nossa essência e a essência da mensagem que pregamos”.

“Costumo falar que toda e qualquer estrutura ou recurso cumpre o seu dever quando serve à mensagem”, afirma Tiago Oliveira, 39, líder de comunicaçã­o da Igreja Central.

As igrejas neopenteco­stais abraçam a cultura contemporâ­nea: usam marketing e meios de comunicaçã­o modernos e muitas vezes têm uma ênfase na cura divina, na prosperida­de, sucesso e felicidade neste mundo Cristina Rocha antropólog­a

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Rubens Cavallari/folhapress Paredes pretas, fumaça, luzes e música alta: clima de show é estratégia de igrejas evangélica­s para atrair fiéis nas redes sociais

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