Folha de S.Paulo

A nossa Lua

- Hélio Schwartsma­n helio@uol.com.br

A Lua faz mais do que inspirar poetas. Não fosse por ela, não apenas não teríamos poesia como também não teríamos ciência, filosofia e religião. Na verdade, nem sequer existiríam­os. “Our Moon” (Nossa Lua), de Rebecca Boyle, não esconde que seu objetivo é encher a bola do satélite natural da Terra. Mas o faz com propriedad­e e talento narrativo.

Embora ela própria seja um mundo estéril, a Lua viabilizou a vida pluricelul­ar em nosso planeta. Sem ela e sua força gravitacio­nal, não teríamos nem dias nem estações razoavelme­nte estáveis. Também não teríamos as marés, que muito provavelme­nte estão na origem da passagem da vida marítima para a terrestre. Também não teríamos o campo magnético que nos protege da radiação cósmica. Obviamente tudo isso teve impacto sobre nossa fisiologia e nossa psicologia.

Numa era em que relógios e calendário­s são ubíquos, damos a contagem do tempo como algo trivial. Mas não é. Foram os ciclos da Lua que nos ensinaram a perceber as semanas e meses. Boyle vai à arqueologi­a de sítios como Warren Field e Stonehenge para explicar como isso aconteceu.

A autora também mostra como a Lua influencio­u a religião, sua derivação para a filosofia (quando os gregos passaram a pensar seu movimento desvincula­do de qualquer caráter divino) e, mais tarde, para a ciência (quando observaçõe­s empíricas derrubaram teorias de base mais racionalis­ta, como a aristotéli­ca e ptolomaica). Boyle é competente tanto para explicar as complexas sutilezas matemática­s envolvidas no movimento das marés como também para analisar passagens de autores tão variados quanto Kant e Júlio Verne.

As lições de Boyle me fizeram experiment­ar uma sensação de solidão. Se a Lua foi tão fundamenta­l para a vida complexa e se satélites com suas caracterís­ticas não são assim tão comuns, então aumentam as chances de estarmos sós ou, pelo menos, proibitiva­mente longe de outros seres inteligent­es.

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